A cada onda de frio intenso que atinge Santa Catarina vêm à memória as imagens da grande nevasca de julho de 2013, que alcançou mais de 100 municípios do Estado e pintou de branco o morro do Cambirela e montanhas próximas, na área continental da Grande Florianópolis. No entanto, em termos de frio, algumas outras datas ficaram na história.

O próprio Cambirela foi cenário, em 1942, de um fenômeno anormal para os ilhéus, que na manhã do dia 5 de julho, um domingo, olharam para o Sul e viram o topo do morro coberto de neve.

E há referências marcantes de uma nevasca em São Joaquim, em 1957, que cobriu a cidade por dez dias e demandou socorro com mantimentos jogados por aviões para ajudar a população isolada.

O caso do morro leste do Cambirela, na década de 1940, foi noticiado com humor e registrado por cronistas e historiadores com o mesmo assombro dos moradores da Capital que abriram as janelas ou desceram pelas ruas laterais à praça 15 de Novembro e se depararam, nas palavras do jornal “O Estado”, com um “alvinitente capuz de neve, onde o sol tímido brincava, espalhando reflexos argentinos”.
Antes disso, a maior nevasca que cobrira a montanha datava de 30 de julho de 1858 (84 anos antes), segundo relatos do almirante Lucas Boiteux em suas “Efemérides”. O frio daquele ano foi atípico até para o Planalto serrano catarinense.
Concorrendo com notícias de agências internacionais dando conta do afundamento de navios brasileiros no Atlântico e da aproximação das tropas alemãs da fronteira russa, na 2ª Guerra Mundial, “O Estado” de 6 de julho de 1942 abriu uma coluna na margem esquerda da capa com dados que chegavam de São Joaquim e Campos Novos transmitidos pelo pintor Martinho de Haro (que era joaquinense) falando da grossa camada de neve que cobria aquelas regiões.
Era um frio glacial que dominava boa parte do Sul do país, porque na véspera os morros de Palhoça, pelas bandas do Cubatão, haviam acordado brancos como nunca. Em Florianópolis, Palhoça e Biguaçu (grafava-se Biguassu), a temperatura chegou a zero grau.
Já o inverno de 1957 foi cruel com São Joaquim e arredores, mas também maltratou cidades do Rio Grande do Sul e do Paraná. O final do mês de julho fez baixar as temperaturas até em São Paulo e Minas Gerais, e ao lado de expressões como “belo espetáculo” e “aspecto europeo” havia a constatação de que “o que vimos (…) nas últimas semanas ultraou em muito o razoável”.
As notícias que vinham da Serra eram “apavorantes”, por causa de temperaturas que chegavam a dez graus negativos, nevascas sem precedentes em volume e a morte de gado e animais domésticos.
Os anteparos que interferem no clima 2u1fr
Um texto do jornalista Ilmar Carvalho publicado em “O Estado” de 5 de setembro de 1957 fez uma retrospectiva do fenômeno que levou os moradores de São Joaquim a pedirem ajuda para sobreviver.
Para salvar uma cidade fantasma, sem vida social, o prefeito João Inácio de Mello fez um apelo pelo rádio que foi ouvido em Curitiba, onde uma unidade da Base Aérea se mobilizou e arrecadou agasalhos e alimentos. Em quatro aeronaves, eles se deslocaram para São Joaquim e jogaram 800 quilos de provisões em um ponto da cidade.
Referindo-se àquela segunda quinzena de julho, um aviador descreveu o cenário serrano como uma “espantosa e gigantesca floresta branca”. Com os termômetros marcando nove graus negativos, as estradas ficaram bloqueadas e os telhados das casas acumularam 20 centímetros de neve.
As pessoas se trancavam em suas residências, perto dos fogões, e as ruas ficaram completamente desertas. A temporada de geadas se prolongou por 93 dias na região.

Ilmar Carvalho ouviu o meteorologista Amaro Seixas Netto, então presidente do Instituto Sul-Americano de Oceanografia, que deu sua versão para a gravidade do fenômeno: “O ar refletido na Serra revolve sobre o local formando núcleos de congelamento entre as temperaturas de 3 graus celsios positivos a 7 graus negativos. Os pontos mais altos nas encostas na linha na Serra Geral, entre São Joaquim e o litoral, são o Morro da Igreja [Urubici], com 1.885 metros, e o Campo dos Padres, formando verdadeiros anteparos ao corrimento de ar frio que deveria escoar-se para o litoral. Assim, fica o ar frio como que ‘coagulado’ sobre a região, dando origem às neves”.
O ‘irável homem das neves’ 2t1q3r
O jornalista Rogério Martorano, nascido em São Joaquim há 81 anos, foi quem primeiro deu ao Brasil, em larga escala, a noção de quanto o Planalto catarinense era frio e cenário de intensas nevascas nos meses do inverno.
Funcionário dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, ele conseguia convencer os editores da revista “O Cruzeiro” a publicar todos os anos textos e imagens sobre o “cenário europeu” da região serrana, e chegou a ser apelidado de “o irável homem das neves”, com direito a charge, em uma das edições da publicação.

Martorano tinha 17 anos em 1957, quando uma das maiores ondas de frio da história de Santa Catarina deixou São Joaquim com mais de um metro de neve acumulada. Seu pai, o radialista e fazendeiro Cesar Martorano, deu guarida a Chateaubriand quando este, decidido a apoiar Getúlio Vargas, veio às escondidas ao Sul para se juntar aos revolucionários, em 1930.
Daí para o filho Rogério se habilitar a uma vaga nos Diários Associados, no Rio de Janeiro, duas décadas depois, foi um pulo. E por que não falar das belezas joaquinenses para o Brasil se tinha o aos chefes da revista mais lida do país?
Rogério confirma a informação de que em julho de 1957 nevou tanto em São Joaquim que aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) saíram de Curitiba com alimentos e jogaram os fardos sobre a cidade, tais eram o isolamento e as dificuldades dos moradores.
Não havia energia elétrica e as casas com água encanada podiam ser contadas nos dedos. “Foi a maior nevasca da história da região”, garante o jornalista, sem deixar de considerar relatos de que em 1918 o frio chegou a 15 graus abaixo de zero, matando muitos animais e congelando os arinhos.
Um episódio que ficou na memória de São Joaquim foi o do padre Blévio Ozelame, que voltava de jipe do interior para a cidade e se viu preso pelo acúmulo de neve na estrada de chão batido. Ele foi socorrido e salvo por moradores, em mais um episódio que Rogério Martorano contou para o Brasil inteiro pelas páginas de “O Cruzeiro”.
Essas e outras histórias ajudaram São Joaquim a ser conhecida como a “cidade mais fria do país”, graças a uma conjugação de latitude, altitude e a presença de contrafortes que resulta em temperaturas congelantes. A fazenda Sumidouro, que até hoje pertence à família Martorano, fica cerca de 1.500 metros acima do nível do mar.
Curiosidades sobre a neve em SC 6s2614
– A neve que mudou as cores do Cambirela e outros morros da região de Palhoça surpreendeu os moradores da Grande Florianópolis na manhã de 23 de julho de 2013. Foi o primeiro caso depois de 29 anos, segundo a Epagri/Ciram, porque o último registro de neve nesta área fora no inverno de 1984. As imagens da portentosa montanha branca correram o Brasil. Na Ilha de Santa Catarina, houve registro de neve no morro da Virgínia, no Ratones.
– No ano de 2013, por causa de uma forte massa de ar polar, caiu neve também no Alto Vale do Itajaí e no Extremo-Oeste catarinense, onde esse tipo de fenômeno é muito raro.
– A 1.360 metros de altitude, a cidade de São Joaquim teve nevascas fortes nos anos de 1928, 1942, 1955, 1957, 1975, 1985, 1994, 2000, 2010 e 2013. Em 1957, foram oito horas de precipitação ininterrupta e sete dias de espera para que a neve derretesse.
– Historicamente, a maior nevasca registrada no Brasil ocorreu em Vacaria (RS), em 7 de agosto de 1879. Um jornal gaúcho disse que foram dois metros de neve acumulada e que “os bois ficaram apenas com os chifres de fora”.
– O recorde de frio em Santa Catarina foi registrado em Caçador, em 11 de junho de 1952: os termômetros chegaram a 14 graus abaixo de zero.
– Em 1942, uma das maiores ondas de frio da região fez a temperatura despencar para 4,8 graus negativos em Florianópolis.
– É comum, na região serrana catarinense, dizer-se que nos dias de frio muito intenso as pessoas colocam água na geladeira para garantir que ela não vai congelar, deixando-os sem ter o que beber.