Pão e macarrão: Tempo, custos e falta de habilidade impactam na alimentação de estudantes 1w15x

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Professora de nutrição da UFSC coordena projeto para ensinar e incentivar universitários a cozinharem e desenvolverem uma alimentação saudável

Pão e macarrão instantâneo. Estes são os alimentos com os quais Francine Nunes (18), que cursa Serviço Social na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), resume sua alimentação. A estudante, que mora sozinha pela primeira vez, relata que é difícil optar por fazer refeições mais nutritivas, já que a faculdade toma muito tempo de seu dia. Ela é apenas um dos exemplos de diversos universitários que tentam equilibrar a rotina agitada, múltiplos compromissos e uma alimentação balanceada.

Falta de recursos financeiros e pouco tempo são os principais fatores de influência na alimentação dos estudantes – Foto: Pixabay/Divulgação/NDFalta de recursos financeiros e pouco tempo são os principais fatores de influência na alimentação dos estudantes – Foto: Pixabay/Divulgação/ND

Ao descrever sua rotina alimentar, a universitária explica que inicia seu dia tomando um café da manhã mais completo, composto na maioria das vezes de pão com frios, bolacha, iogurte ou suco.

No entanto, no almoço, antes de ir para a faculdade, o ultraprocessado- alimentos com formulações industriais que contêm pouco ou nenhuma substância alimentar integral – ganha espaço no prato, com um pacote de macarrão instantâneo substituindo uma refeição mais nutritiva. “Acho que tenho que estar com mais energia para fazer essas comidas (mais elaboradas). Então para mim é um pouco mais fácil aceitar o Miojo”.

“Eu tenho que estar com mais energia para fazer comidas mais elaboradas. Então para mim é um pouco mais fácil aceitar o pão e o miojo”, relata Francine – Foto: Arquivo Pessoal/Francine Nunes/Divulgação/ND“Eu tenho que estar com mais energia para fazer comidas mais elaboradas. Então para mim é um pouco mais fácil aceitar o pão e o miojo”, relata Francine – Foto: Arquivo Pessoal/Francine Nunes/Divulgação/ND

O relato da universitária vai ao encontro do que Manuela Jomori, professora do Departamento de Nutrição da UFSC fala. De acordo com a docente, a maioria dos universitários prefere consumir ultraprocessados pois são mais práticos e baratos que os alimentos in natura, como verduras, frutas e carnes frescas.

Além dessas barreiras, Jomori explica que há muita influência da habilidade culinária do universitário nas refeições que ele vai comer. “Uma das barreiras também é essa falta de habilidade culinária. Eles não têm o conhecimento e acabam não preparando os alimentos de forma que sejam refeições saudáveis”, afirma.

A professora considera que o consumo de ultraprocessados gera um grande impacto na saúde do estudante tanto no longo prazo quanto no dia-a-dia.

No longo prazo, uma alimentação à base de processados pode acarretar no desenvolvimento de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e diversos tipos de câncer, devido às alterações no metabolismo causada por esses alimentos.

Já no dia-a-dia, Jomori explica que esse alimentos prontos para o consumo – por não suprirem a quantidade de nutrientes e saciedade necessários – podem fazer com que o estudante sinta sensação de cansaço e fome, “por não terem a quantidade de vitaminas e minerais necessários para se concentrar nos estudos e proteínas e fibras para garantir saciedade por um período maior de tempo”.

Como forma de auxiliar os estudantes no desenvolvimento de suas habilidades na cozinha e melhorarem sua alimentação, a professora da UFSC coordena o projeto de pesquisa e extensão Nutrição é na Cozinha. Desse modo, o projeto faz o acompanhamento da alimentação e habilidades culinárias do universitário e os incentiva a desenvolver essas habilidades.

“Logo que eles entram na faculdade é um período crítico de adaptação. Porque antes moravam com os pais, aí geralmente vão para outra cidade estudar e acabam tendo que se virar com a alimentação. Só que não sabem, não tem habilidade, tempo e dinheiro”, comenta Jomori ao falar do objetivo do Nutrição é na Cozinha.

Em pesquisa do projeto realizada com aproximadamente 1.900 universitários da UFSC e da UFGRS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) durante a pandemia de Covid-19, 49,3% dos estudantes apresentavam um baixo nível de conhecimento culinário. Ou seja: não dominavam habilidades essenciais para um preparo mais dinâmico e adequado das refeições, como ajuste de tempo para tarefas, combinação de ingredientes, planejar cardápio, conhecimento do uso de utensílios e entre outras habilidades.

Junto a isso, o estudo também evidencia que mais da metade dos estudantes não morava com os pais, dividindo a residência com parceiro(a), colegas ou morando sozinho. Aspecto que influencia na qualidade das refeições que são preparadas.

“Morar com a família é muito diferente de morar sozinho. Parece que quando tu mora sozinho, tu não produz e faz essas refeições (mais elaboradas)”, relata Francine.

Carrinho de compras dos universitários Francine Nunes e Pedro Guerrazzi – Foto: Arquivo Pessoal/Francine Nunes/Divulgação/NDCarrinho de compras dos universitários Francine Nunes e Pedro Guerrazzi – Foto: Arquivo Pessoal/Francine Nunes/Divulgação/ND

A dificuldade de preparar refeições mais nutritivas sozinha mostra-se evidente quando a estudante explica que consegue comer melhor quando elabora os pratos com seu amigo Pedro Guerrazzi,  que mora no mesmo edifício e divide as compras semanais. “Quando a gente está junto temos uma boa medida. Então a gente consegue equilibrar quando fazemos as coisas juntos, dá menos trabalho”, explica a universitária.

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Estar sozinho ou acompanhado durante as refeições é algo que influencia na rotina alimentar dos universitários.

Kamilly Gualberto (18) é estudante de Nutrição da Universidade Anhanguera e mora junto com seus pais. A universitária, que possui uma alimentação regrada e sem restrição, afirma que consegue comer alimentos saudáveis porque se organiza para o preparo de refeições com antecedência.

Alimentar-se de forma saudável, segundo Kamilly, dá disposição para que possa ter seu corpo funcionando melhor e até ter um melhor controle de emoções. Ela argumenta ser importante para que se sinta bem durante o dia e possa realizar suas atividades.

“Eu como o básico da comida brasileira: pão, ovos, frutas, arroz, feijão, salada”, relata Kamilly – Foto: Arquivo Pessoal/Kamilly Gualberto/Divulgação/ND“Eu como o básico da comida brasileira: pão, ovos, frutas, arroz, feijão, salada”, relata Kamilly – Foto: Arquivo Pessoal/Kamilly Gualberto/Divulgação/ND

Nesse sentido, Natasha de Melo (21), estudante de Farmácia na UFSC, também tem as refeições como um importante momento do seu dia. Com uma alimentação que considera “ok”, ela explica que, por dividir sua rotina e morar com outra pessoa, o preparo das refeições acaba ficando “menos pesado”. A universitária mora com sua namorada com quem divide o fazer das refeições.

Apesar disso, Natasha afirma que não dá para fugir do tempo corrido da universidade e, durante o dia, prepara uma refeição mais básica. “No dia-a-dia comemos bastante macarrão e arroz no geral. Também consumimos bastante salada, legumes cozidos, brócolis, cenoura e batata”.

Com isso, o final de semana torna-se o momento em que as duas conseguem aproveitar para fazer uma refeição mais elaborada e ter o prazer de cozinhar. “Acho que é um momento de terapia”, afirma a estudante sobre o processo de elaboração da comida.

O fim de semana torna-se um momento no qual há um maior tempo para os universitários prepararem refeições mais elaboradas – Foto: Arquivo Pessoal/Natasha de Melo/Divulgação/NDO fim de semana torna-se um momento no qual há um maior tempo para os universitários prepararem refeições mais elaboradas – Foto: Arquivo Pessoal/Natasha de Melo/Divulgação/ND

Para a universitária, o processo de sentar e comer uma refeição é um momento de conforto, que a faz se sentir melhor com sua mente e seu corpo. “Ter uma boa relação com a comida é o principal ponto para ter uma boa relação com o resto das coisas”.

O RU como principal fonte de alimento dos estudantes 2y6x39

O Restaurante Universitário (RU) é uma política de assistência estudantil que começou em setembro de 1965 na UFSC, tendo servido milhões de refeições até os dias de hoje. Com o custo da refeição de R$ 1,50, o espaço é um dos grandes responsáveis pela alimentação dos estudantes da UFSC.

Atualmente o RU possui um cardápio padrão, elaborado por nutricionistas. Todo dia é servido arroz branco, arroz integral, feijão, um complemento à base de vegetais, alguma carne porcionada, dois tipos de salada, um molho de salada e uma fruta de sobremesa.

No últimos semestre foram servidos cerca de 8 mil refeições no RU da UFSC – Foto: Thais Ketlen/Divulgação/NDNo últimos semestre foram servidos cerca de 8 mil refeições no RU da UFSC – Foto: Thais Ketlen/Divulgação/ND

“O cardápio do RU é bastante balanceado, e o custo é bem ível”, avalia a professora de Nutrição Manuela Jomori, que considera o local uma boa opção àqueles que não cozinham em casa.

Além disso, o restaurante oferece a opção de isenção, que é dada para os estudantes que comprovarem renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo. É o caso de Natasha, que pode aproveitar a comida do RU gratuitamente.

Para a estudante, o local é quase como um porto seguro para completar sua alimentação. “Eu sei que se eu não tiver em casa, eu tenho lá também, onde a comida é boa e nutritiva”, afirma a graduanda em Farmácia.

Opção vegetariana tem lugar no RU? 6n6s

Apesar do auxílio dado diariamente nas refeições dos universitários, muitos estudantes apontam pontos de melhoria no Restaurante Universitário para abarcar melhor os diferentes tipos de regimes alimentares, como o vegetarianismo e o veganismo.

“Eu não como carne. Eu acho que o RU não tem uma opção boa para quem não come carne. Acho que poderia ter mais coisas”, critica Francine, que é vegetariana.

Ao avaliar o cardápio atual disponibilizado pelo o RU, ela diz que até as opções de saladas que o restaurante fornece atualmente são insuficientes e que poderia haver mais variações.

A pessoa que é vegetariana pode escolher no restaurante opções de alimentos que tentem oferecer algo semelhante aos alimentos proteicos de origem animal, como feijão, sendo que a combinação de arroz e feijão fornece os aminoácidos essenciais ao organismo. Contudo, pode haver deficiência em algumas vitaminas e minerais. “Em algumas universidades, como a UFRGS, há oferta de opção vegetariana no lugar das carnes nos seus Restaurantes Universitários”, afirma Manuela Jomori.

Estudantes vegetarianos podem comer quase todas as opções do RU, com exceção de carne – Foto: Thais Ketlen/Divulgação/NDEstudantes vegetarianos podem comer quase todas as opções do RU, com exceção de carne – Foto: Thais Ketlen/Divulgação/ND

No entanto, a professora orienta que o vegetariano pode compensar essa falta de proteína com outras refeições no dia, sendo importante uma certa habilidade culinária. “O vegetariano tem que tomar um cuidado pois tem muitas vitaminas que têm origem animal. Então tem que achar outra forma de repor”.

A Chefe da Divisão de Nutrição do RU, Amélia Somensi, conta que não há um equipamento para fazer uma refeição vegetariana mais elaborada. Por isso, as opções disponíveis para vegetarianos acabam se restringindo a um acompanhamento quente de grãos de bico, lentilha, abóbora e etc.

A nutricionista relata que os funcionários do RU estão bem sobrecarregados com as demandas já existentes. Ela explica que, para dar conta de servir os mais de 30 mil estudantes da universidade, tem que entrar com os funcionários às 6h, tendo que adiantar a preparação de alguns alimentos em certas situações.

“Como servidora, eu vejo que estamos sobrecarregados. As nossas estruturas e equipamentos não aguentam mais demandas, pois estão no limite”, confessa Somensi.

Até a publicação desta reportagem não obtivemos respostas da PRAE (Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis) da UFSC sobre o desenvolvimento de uma opção vegetariana no Restaurante Universitário.

Dicas de nutrição b4g4

Com o objetivo de trazer aos universitários formas de desenvolver uma melhor alimentação, a coordenadora do projeto Nutrição é na Cozinha, Manuela Jomori, fornece – junto a uma equipe – diversos conteúdos com orientações em para que os estudantes possam planejar suas refeições de acordo com o que gostam e o que é possível comprar.

No YouTube do projeto, por exemplo, há uma série de vídeos explicativos, divididos em três temporadas, que ensinam, desde as compras até a construção do seu próprio cardápio.

Para mais conteúdos o projeto também faz posts e vídeos informativos em seu perfil do Instagram.