Considerada como um ramo de pesquisa dentro do curso de biblioteconomia, a biblioterapia trata problemas relacionados a saúde mental através da leitura e da relação do indivíduo com a obra que está sendo lida.

Diferentemente do que muitos podem pensar, a prática não é um serviço de atendimento psicológico e nem um clube de leitura. A biblioterapia é uma vivência praticada por meio de encontros em grupos, nos quais o mediador, que é o bibliotecário, faz uma curadoria de textos, juntando trechos de diferentes histórias que tratam de diferentes assuntos sociais.
O cansaço, a felicidade, a tristeza, as decepções do dia a dia. Tudo isso é posto em pauta e o resultado é uma troca de como as pessoas lidam com esses temas, percebendo que elas não estão sozinhas, seja por causa das outras pessoas que estão ao seu redor, ou então por terem encontrado no texto debatido um refúgio para depositar os seus sentimentos.
Assim, a biblioterapia assume a vocação terapêutica da leitura, que possui o potencial de cuidar das pessoas, através da mobilização de alguns movimentos psíquicos de nossos cérebros. A projeção, a introspecção e a catarse são apenas alguns dos fenômenos que acontecem quando lemos ou ouvimos histórias.
É a partir desses sentimentos conflitantes que os encontros biblioterápicos são feitos, dentro de um espaço de circulação da palavra, mobilizando afetos e conteúdos emocionais que os participantes trazem à tona.
A biblioterapeuta 1u4v3z
“Quando eu conheci a biblioterapia, eu me encontrei”. Essa frase é da bibliotecária do centro de artes da UDESC, Karin Vanelli. Optando por seguir em um caminho que a levasse para fora das portas das bibliotecas, Karin decidiu trabalhar na parte humana e, não pragmática, da biblioteconomia.
Essa decisão veio cedo, ainda quando entrou no curso. “Os livros e a literatura sempre me salvaram, sempre me ajudaram a viver. Eu sempre me tratei com os livros, quando tinha dificuldades, quando precisava organizar o tempo, ou ainda quando precisava tratar corações partidos”. Karin conta que, dentro dos amores não correspondidos, Clarice Lispector é uma grande aliada dos amantes desafortunados.
É assim que, encontrando na leitura um alívio para os sentimentos terrenos, Karin trabalha em seus projetos biblioterápicos. Para ela, o alcance terapêutico da biblioterapia está muito mais ligado em construir um repertório que consiga dominar as emoções das pessoas.

Para adentrar ainda mais na prática e trazer para as sessões de biblioterapia um conteúdo complementar denso e rico para os participantes, Karin fez há alguns anos uma formação em psicanálise. Vanelli tinha por objetivo, com esses novos aprendizados, entender como é dado o simbolismo da literatura em cada pessoa.
Na biblioterapia, o componente mais eficaz é a metáfora, afinal, é essa expressão que faz com que você tenha a sensação de encontrar algo que coloque em palavras o que você está sentindo em determinado momento. Karin ainda explica que a prática também funciona quando a leitura se dá em um momento solo, porque mesmo que não esteja sendo dito em palavras, você está reverberando em seus pensamentos tudo o que está sendo lido.
Dito Efeito Literário 474jd
No Instagram, Karin encontrou um local de apoio para divulgar suas vivências e inspirar as pessoas com trechos e histórias de obras nacionais e internacionais. No canal midiático do “Dito Efeito Literário”, ainda são compartilhadas curiosidades sobre os mais diferentes livros e seus respectivos autores.
O projeto é uma extensão da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina), que oferece vídeos, podcasts e oficinas literárias aos alunos da universidade (e aos interessados no assunto). Foi a partir de uma semana do setembro amarelo – mês de prevenção ao suicídio – que o Dito Efeito veio ao mundo.
Segundo Karin, a UDESC possui altos índices de alunos com ansiedade e síndromes de pânico. Assim, ela quis oferecer a eles uma saída alternativa, para que eles conseguissem lidar com o assunto de uma melhor maneira. Quando a Universidade abriu inscrições para editais de projetos de extensão, Vanelli submeteu sua ideia de promover encontros literários dentro do formato biblioterápico, estimulando assim a leitura dos alunos.
Ao ser selecionado, o projeto ganhou recursos para promover as oficinas e convidar parceiros para dialogarem dentro da mesma. “Me deu muita satisfação. Como eu vim de mundo onde os livros e as histórias fizeram muito por mim, eu tenho um conceito de amor, que diz que amar é dar ao outro o que lhe falta. Então dar ao outro esse contato que lhe falta é gratificante para mim”, conta Karin.
Dessa forma, ela aproximou a biblioterapia da escrita de si e do autocuidado que os alunos deveriam ter com suas jornadas. “Encontrar na literatura a expressão daquilo que sentimos provoca conexão, encantamento, e nos desperta para o momento presente”, conta a bibliotecária.
O alcance terapêutico da biblioterapia está, por fim, na ampliação do repertório de linguagem e na capacidade de nominar o que se sente e percebe, como explica Vanelli. Durante a pandemia de Covid-19, ela tem contribuído para o enfrentamento do isolamento social e do estresse provocados pelo coronavírus. Os encontros agora estão sendo oferecidos como um serviço à comunidade, saindo além das portas da UDESC.
Esse é um dos gestos de autocuidado que temos que ter durante a correria caótica de nossas rotinas, segundo Vanelli. “Se você puder consumir conteúdo poético literário já é um pequeno cuidado. Então esses canais de literatura, assistir um poema declamado, ouvir uma crônica, isso já, como diria Guimarães Rosa, um pouquinho de amor já é um descanso da loucura”.
Participantes do Brasil inteiro são convidados a se inscrever nos encontros que, no momento, são ministrados virtualmente. As oficinas não têm datas fixas, mas sempre são divulgadas pelo perfil do Instagram. O próximo encontro biblioterápico promovido por Karin vai ocorrer no dia 19 de agosto e, como sempre, será recheado de saberes literários.