Por uma maternidade real consciente 6a2v3z

Esses dias eu estava rolando a tela do celular infinitamente quando me deparei com uma publicação de uma influencer, mãe de um bebê de seis meses. Na legenda ela dizia que a criança nunca a impediu de trabalhar e de seguir sendo ela mesma. Confesso que senti um desconforto e parei para observar o que exatamente havia me incomodado.

Foto – Unplash/Divulgação

Eu acompanho algumas mães nas redes sociais, prefiro as que mostram a realidade nua e crua da rotina materna. É onde eu me sinto mais aceita, me reconheço e compartilho dos mesmos desafios relacionados à criação de filhos. É aquele sentimento “não acontece só comigo”, sabe?

Em 2016, o termo maternidade real invadiu a internet e revelou o que ninguém contava sobre ser mãe. O assunto que não era tratado com a devida seriedade ou a ser exposto por diversas atrizes e influencers e a ideia romântica da maternidade caiu por terra. O discurso de como ser mãe te muda completamente, te faz melhor, ou a ser questionado.

Ler de uma mãe recém saída de um puerpério (em que mais se ficou sentada amamentando do que qualquer coisa) que não foram afetados o trabalho ou a própria vida, soa estranhamente irreal.

A questão aqui não é o privilégio de poder pagar uma pessoa para cuidar da criança, nem de tirar a liberdade de se expressar na sua própria rede, mas o de romantizar a maternidade em pleno 2023. Escrevo esse texto não pra julgar, mas para ajudar com um debate mais aprofundado.

Real para quem? 38176i

Como disse no primeiro texto desta coluna, o termo maternidade real é real pra quem? Depende do estilo de vida de cada família: o calo aperta mais em umas mães do que em outras.

Tem quem lide um pouco melhor com a culpa, quem se esforça mais em uns aspectos e menos em outros. A única certeza é que, se tratando de maternidade, a perfeição não existe. Ela é feita de erros e acertos e muitos dos escorregões acontecem porque uma só uma pessoa não dá conta de tudo.

Desde o nascimento, as mulheres são guiadas a cumprir uma lista de papéis. Logo na primeira infância o papel da cuidadora aparece ao rodear a menina com bonecas, depois sai à procura do príncipe para casar e concluir a missão “salvadora” de se tornar mãe.

A maternidade é vista como “natural”, só assim para ser feliz e realizada. Se você ainda tem dúvidas, faça o seguinte teste: pergunta para uma mulher na casa dos 30 anos que ainda não é mãe, quantas vezes ela já foi questionada a respeito de casamento e filhos.

É por cumprir essa “missão” direcionada apenas às mulheres que, no Brasil atual, existem 11 milhões de mães solo sendo moídas pelo cotidiano casa x trabalho x filhos. Pela mesma razão, crianças grávidas vítimas de estupro são impedidas pela justiça brasileira de interromper a gestação.

Ao fazer o recorte de raça, o buraco fica ainda maior. As mulheres negras representam 61% das mães solos no país. As mesmas são pagas por mulheres mais favorecidas para cuidar dos filhos. E quem cuida dos filhos da mulher preta? Outras mulheres, seja na comunidade ou na creche, isso quando tem.

Poderia ser diferente se o mundo não fosse machista, racista, misógino e excludente e, se a sobrecarga materna fosse vista como um problema de saúde pública não só pelo lado da mãe, mas pelo bom desenvolvimento das crianças. Por isso é necessário questionar a ideologia da maternidade.

Ser mãe tem um lado bom, claro. Mas discursar que é fácil não ajuda e ainda normaliza desigualdades. É necessário ter um olhar mais aprofundado, sair da bolha, limpar o olhar e, principalmente, querer enxergar de fato a estrutura que opera contra pessoas que decidem ter filhos.

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