
Santa Catarina conta, há 51 anos, com uma unidade hospitalar que se tornou referência nacional e internacional na luta contra o câncer: o Cepon (Centro de Pesquisas Oncológicas), e a há 31 anos com uma organização que expandiu e deu solidez ao Cepon e ao seu coirmão Hemosc: a Fahece (Fundação de Apoio ao Hemosc e Cepon).
Na origem de todo este complexo hospitalar de assistência à saúde dos catarinenses, destaca-se o incansável trabalho do médico Alfredo Daura Jorge, criador do Cepon e pioneiro em Santa Catarina e no Brasil em campanhas contra o fumo e incentivador dos novos tratamentos de combate ao câncer.
Já no início da década de 1970, como clínico geral formado pela Universidade Federal do Paraná (1964) e dedicação exclusiva nos Hospitais de Caridade e Celso Ramos, lançava sua cruzada contra o consumo do cigarro, maior responsável pela incidência de câncer de pulmão e causador de mortes por outras intercorrências.
Com palestras de cunho científico sobre os malefícios do fumo, entrevistas constantes nos meios de comunicação sobre casos graves, divulgação de dados sobre a incidência do câncer dos viciados, desencadeou uma verdadeira cruzada estadual de repercussão nacional.
Pioneirismo 5h2b1
Depoimentos de colegas médicos revelam que Alfredo Daura Jorge vivia angustiado com os pacientes vindos de vários pontos do Estado para tratar de doenças relacionadas ao cigarro. Chegou a publicar, por conta própria, um livreto intitulado “100 razões para deixar de fumar”, reproduzido depois em todo o país.
Para se ter uma ideia do pioneirismo dessa jornada em defesa da saúde pública, somente em 1986, pela Lei Federal 7.488, é que foi instituído o Dia Nacional de Combate ao Fumo, em 29 de agosto. O principal objetivo era reforçar as ações nacionais de sensibilização e mobilização da população brasileira contra os danos sociais, políticos, econômicos e ambientais causados pelo tabaco.
Da devoção aos pacientes à conquista da primeira sala 4xm1l
Dedicando verdadeira devoção aos pacientes, o médico Alfredo Daura Jorge vivia amargurado e inquieto com o crescente número de pacientes, com diferentes tumores, sem que houvesse indicativos de cura, além da radioterapia, a mais usual na década de 1960. Aprofundou conhecimentos, leu muito, fez estudos com especialistas no Texas, Nova Orleans e Nova York, buscando novos medicamentos e descobertas para medicar os pacientes oncológicos.
Com o sucesso dos novos tratamentos, instalou uma unidade improvisada numa sala do sétimo andar do Hospital dos Servidores, com apenas algumas cadeiras, equipamento para soro e uma enfermeira. Ali, começou com os serviços de quimioterapia ambulatorial do Brasil, fato registrado nas décadas seguintes nos congressos nacionais de cancerologia e quimioterapia.

Atormentado com o aumento do número de doentes, conquistou um espaço maior no oitavo andar, já com leitos e aparelhos mais adequados para aplicação de quimioterapia. No penoso início, teve a participação dedicada da esposa Tereza Gonçalves Jorge, que atendia e orientava os pacientes, dando atenção humana e especial às crianças e idosos, que chegavam assustados com o novo tratamento. Alfredo Daura Jorge auxiliava a enfermagem a preparar o soro e prestava, também, assistência especial aos vindos do interior do Estado e que careciam de informações na Capital.
Fatores que impulsionaram o consumo de cigarro 1w3a2n
O consumo do cigarro foi impulsionado na segunda metade do século 20 por dois fatores: 1) os incentivos oficiais aos soldados durante a Segunda Guerra Mundial como estimulante moral, associando o cigarro à virilidade e sucesso social; e 2) as massivas campanhas publicitárias da indústria endeusando os jovens fumantes com cenas incentivadoras. Com isso, as taxas de fumantes tiveram crescimento assustador, atingido em vários países de 40% a 50% da população.
Graças às iniciativas como a do médico Alfredo Daura Jorge e alguns projetos restritivos, os índices de consumo começaram a cair. Em 1990, surgiu o primeiro imposto. E em 1996 os rótulos das carteiras de cigarros aram a ter fotos reais de pacientes em estado terminal por causa do câncer. E no período entre 2007 e 2009, multiplicaram-se leis estaduais e municipais proibindo o fumo em locais fechados.
Os dados críticos despencaram. Segundo Pesquisa Nacional da Saúde do Instituto Nacional do Câncer, em 2009 eram fumantes apenas 12,6% da população.
A ideia que culminou na criação do Cepon 1y3kb
Em novembro de 1987, ocorreu em Florianópolis, o 11º Congresso Brasileiro de Cancerologia, tendo como presidente justamente o médico Alfredo Daura Jorge e como presidente executivo o médico Luiz Alberto da Silveira. Foi um evento de repercussão nacional e até no exterior, com publicações científicas e técnicas que ganharam destaque até recentemente na Sociedade Brasileira de Cancerologia.
Durante o Congresso de Cancerologia, em Balneário Camboriú, no início da década de 1970, Tereza Gonçalves Jorge, a esposa de Alfredo, curtia a praia com os filhos menores, na frente do Hotel Fischer. Terminada a parte científica, Alfredo e seu colega David Erlich, aproximaram-se, levando cadeiras. Sentaram-se e deram sequência aos diálogos sobre os planos de tratamento contra o câncer.
Erlich já era há 50 anos uma das principais referências em quimioterapia no Brasil, atuando em São Paulo, e irador do esforço do médico catarinense no combate ao fumo e novos estudos sobre o tratamento do câncer. Entusiasmado com os debates do evento científico e a empolgação do colega catarinense, Erlich, a certa altura, lançou o desafiou:
“Alfredo, por que você não instala um grande centro médico de tratamento do câncer em Santa Catarina? Você esteve em Houston e viu a maravilha, estagiou em Nova Orleans, outro espetáculo. Teve experiências até em Nova York”. Ato contínuo, escreveu na areia da praia: “Cepon. Centro de Pesquisas Oncológicas.”
Semente 3c324l
Retornando à Capital, como diretor do Hospital Celso Ramos, Alfredo Daura Jorge identificou uma pequena copa, pouco usada, no sétimo andar. Na semana seguinte, transformou o espaço na semente do Cepon. Como precursor do revolucionário processo de tratamento quimioterápico e busca da cura do câncer, Alfredo Daura Jorge contava com médicos aliados em vários Estados.
Quando o INSS fez uma campanha nacional pela instalação de ambulatórios de quimioterapia – inovação médica inovadora – os especialistas viajaram pelo Brasil, especialmente pelo Norte e Nordeste, dando informações científicas e motivando os médicos de todo o país.
Nasce o centro para tratamento e pesquisas permanentes 47211o
Em 1974, Alfredo Daura Jorge criou o Cepon, já com uma equipe de médicos e colaboradores voltados para investigações sobre novos remédios usados nos centros de recuperação dos Estados Unidos. Manteve o mesmo pioneirismo nacional com novos serviços e pesquisas permanentes para tratamento do câncer.
Com a inauguração do Hospital Infantil Joana de Gusmão, em 1979, ampliou e modernizou o Cepon em espaço do Hospital Edith Gama Ramos, ao lado do Celso Ramos, onde continuava clinicando com singular paixão. Ficava próximo do Hemosc e da sede da Fundação Hospitalar.

Entre os médicos que seguiram sua caminhada destacavam-se Luiz Alberto da Silveira, formado pela UFSC e estimulado a seguir na nova e desafiadora especialidade médica, já nos últimos anos da faculdade. Também estiveram na primeira linha de frente os médicos Marta Rinaldi Müller e Sérgio Pizani Müller, dedicadíssimos, já mortos. E a médica, então residente, Maria Tereza Evangelista Schoeller, que durante décadas atuou como diretora geral do Cepon e figura entre os criadores da Fahece.
O perfil do médico determinado a encontrar a cura do câncer 1o7112
Nenhum médico em Santa Catarina fez tanto por seus doentes, lutou tanto contra o vício do cigarro e buscou com tanta determinação recursos científicos para buscar a cura do câncer quanto o catarinense Alfredo Daura Jorge. Especializou-se em clínica médica e mobilizou a sociedade numa jornada pioneira no país: campanhas contra o fumo. Defendeu trabalhos de conscientização nas escolas, leis proibindo a propaganda no rádio e TV etc.
Em todos os eventos relatava os terríveis sofrimentos dos doentes com diferentes tumores causados pelo fumo, a começar pelo pulmão. No Hospital dos Servidores, foi precursor na criação da Divisão de Quimioterapia Antiglática. Participou, palestrou e fez incontáveis simpósios e encontros sobre oncologia clínica, incluindo o Congresso Brasileiro de Cancerologia em Florianópolis.

Alfredo Daura Jorge foi homenageado por vários grupos de doutorandos como paraninfo, patrono e nome de turma, tamanho carinho devotado pelos alunos. Integrou a Sociedade Brasileira de Cancerologia e de Quimioterapia, e foi vice-presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.
Casado com Tereza Gonçalves Jorge, teve quatro filhos. Portador de deficiência cardíaca causada por febre reumática quando era criança, sofreu com sequelas, teve que fazer duas cirurgias no coração e depois um duplo transplante renal. Mesmo já debilitado, nas últimas semanas de vida visitava os pacientes na UTI e fazia questão de orientar os doentes mais graves no consultório. Morreu em 22 de junho de 1988, às vésperas de completar 50 anos.
Minha saudosa mãe, Hercilia Pereira, teve diagnóstico de câncer de mama em 1977. Foi assistida pelas mãos milagrosas do doutor Alfredo e teve sobrevida de 12 anos. Desolada com sua partida, morreu dez meses depois.
“Ele me ensinou a ser médico”, do colega, amigo, sucessor, professor e acadêmico Luiz Alberto da Silveira 1q5w2y
“Nos corredores do Hospital de Caridade, onde o silêncio muitas vezes carregava o peso da esperança, caminhava um homem que não era apenas médico — era um farol. Alfredo Daura Jorge, pioneiro, visionário, alma grande de jaleco branco. Desde os primeiros dias de minha formação na UFSC, tive o privilégio de acompanhá-lo. Por 18 anos, convivi com sua presença firme e afetuosa, com seu sorriso sereno que acolhia, com sua voz segura que confortava.
Foi ele quem me guiou à oncologia clínica, quem acreditou em mim antes mesmo que eu compreendesse o tamanho dessa confiança. Em 1973, foi sua mão estendida que me levou à Secretaria de Saúde de Santa Catarina, abrindo caminhos até a Divisão Nacional do Câncer.
Doutor Alfredo Daura Jorge era um humanista por essência. Via no paciente não um caso, mas uma vida inteira pedindo cuidados. Lutou, de forma intransigente, contra o tabagismo, antecipando o que o mundo só entenderia muito depois. Estudioso incansável, mergulhava na oncologia aqui e além-mar, sempre buscando mais — não por vaidade, mas por amor à ciência e, sobretudo, ao ser humano.
Era sensível, consciencioso, e nunca deixava de sorrir. Cativava com simplicidade e encantava com profundidade. Entre colegas, amigos e pacientes, espalhava laços de amizade e respeito. Dizia com sabedoria: ‘A estrada para o sucesso na medicina e para a paz interior se faz com decência, seriedade, honestidade e afeto’. E vivia isso, dia após dia.
Sua partida, em junho de 1988, deixou um vazio, mas também um legado. Não só na medicina catarinense, onde foi pioneiro, mas nos corações de todos que com ele conviveram. Eu, que aprendi tanto ao seu lado, que fui testemunha de sua entrega e inspiração, o homenageio com esta lembrança viva e grata. Doutor Alfredo permanece como uma chama que não se apaga, como um mestre que ainda ensina, como um amigo que ainda sorri nas memórias de quem teve o privilégio de caminhar ao seu lado.”