Uma senadora da República dá uma entrevista que atinge um candidato a presidente dessa mesma República. O candidato afirma que as acusações da senadora não procedem. O que acontece? A senadora é processada pelo candidato? Não. Antes disso, a emissora que veiculou a entrevista é censurada.
Você pode achar que uma conduta assim é parte da democracia. Mas aí o problema é seu. Quem transige com a relativização da democracia pode acabar tendo os seus próprios direitos relativizados. E isso não costuma ser muito agradável para quem está desprevenido, crente que pode contar com a proteção das leis.

No Brasil atual, a lei é um estado de espírito. Pelo menos para parte do Judiciário, notadamente a Justiça Eleitoral. A ministra Maria Cláudia Bucchianeri, do Tribunal Superior Eleitoral, censurou o grupo Jovem Pan pela referida entrevista com a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), em que ela associa Lula à morte de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André. A decisão do TSE determinou a remoção, em várias mídias e plataformas, de vídeos com o teor acusatório trazido pela senadora.
Mara Gabrilli disse que Lula foi chantageado pelo empresário Ronan Maria Pinto, para que não fosse apontado como mentor do caso Celso Daniel. “Lula pagou 12 milhões de reais da chantagem para Ronan Maria Pinto ficar quieto. O Ministério Público de São Paulo acabou por encobrir o caso na época”, afirmou a senadora em entrevista à Jovem Pan. Ela disse que vários empresários – incluindo seu pai – foram na época extorquidos à mão armada pelo PT.
Em sua decisão, o TSE argumenta que o tema já é conhecido. “O referido conteúdo já foi tido por este TSE como desinformativo, além de violador da imagem do candidato”, argumentou a ministra Maria Claudia. “É de conhecimento público e notório que o assassinato do ex-prefeito Celso Daniel é um caso encerrado perante o Poder Judiciário, com os responsáveis devidamente processados e julgados, estando cumprindo pena”. “Não houve envolvimento do PT e de seus membros”, encerra a magistrada.
Muito bem. Fica então combinado assim: qualquer sentença judicial, sobre qualquer assunto, torna esse assunto automaticamente proibido. Quem falar sobre ele sem repetir os termos da decisão da Justiça deve ter sua língua cortada – com todo o respeito e a empatia que caracterizam esses tempos de combate à onda de ódio. Cala a boca já morreu, mas a bem.
A Justiça brasileira condenou Lula – sempre ele, o injustiçado – por corrupção (sentença confirmada em tribunal superior). Por que não censuraram na época as emissoras que veicularam declarações de petistas acusando a Justiça de parcialidade? Lula não estava “devidamente processado, julgado e cumprindo pena”? Deve ter sido distração.