No registro civil feito em Manaus (AM), sua cidade natal, ela se chama Ingrid Silva de Assis, mas o nome que usou na urna já carrega a história de um povo. Ingrid Sateré-Mawé é professora de formação, ex-assessora parlamentar, mãe de três crianças, sindicalista, feminista e representante do povo Sateré-Mawé. Ela é integrante da “Bancada do Cocar” e, agora, a primeira vereadora indígena eleita em Florianópolis.

“Eu pertenço ao povo Sateré-Mawé, que é o povo que cultiva o guaraná, e faço parte da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade.”
A ANMIGA reúne mulheres indígenas de todos os biomas do Brasil, mobilizadas pela garantia dos direitos indígenas e da vida dos povos originários.
Em todo o país, segundo ela, foram mais de 100 candidaturas de mulheres indígenas. “Aqui em Santa Catarina só teve eu eleita, mas teve mais outras que foram candidatas: em Palhoça, uma no Oeste e uma em Blumenau, que é do povo Xokleng”, informa a vereadora eleita.
Pilares do mandato 5t1c2h
Ingrid Sateré-Mawé elegeu como pilares de seu mandato como vereadora o combate à violência contra as mulheres e as questões ambientais. “Eu sou uma mulher indígena feminista. Nessa questão, a gente traz bastante o combate à violência contra as mulheres. Mas enquanto ativista socioambiental, eu trago bastante a questão da preocupação com a crise climática, com o meio ambiente.”
Para ela, o bem-estar da sociedade a, necessariamente, pelo bem-estar das mulheres. “Eu faço uma construção há muitos anos em diversas pautas com esse recorte, voltado muito à atenção da vida das mulheres. Porque eu acredito que se as mulheres não estão bem, não tem como a sociedade estar bem. Historicamente, somos nós que cuidamos das crianças, dos idosos. Então, a gente precisa parar de terceirizar esse serviço. O estado precisa reconhecer a sua responsabilidade mediante isso”, afirma a professora.
Uma das prioridades do novo mandato, que começa em 1º de janeiro, é a atenção à vida das mulheres. “Em Florianópolis a gente tem uma alta muito grande de violência, de estupro. Eu tenho trabalhado durante a minha vida de militância o combate à cultura do estupro, baseado na lei Maria da Penha, fazendo conversa com os estudantes e professores dentro das escolas.”
“Eu tenho muito a ideia de que a gente possa ter em Florianópolis o Plano Municipal de Cuidados, que pera pela melhoria, pelo fortalecimento do serviço público, mas que traz outras coisas dentro disso: espaços de convivência, espaços de desenvolvimento, espaços culturais. Uma atenção a todas as pautas, mas com recorte de gênero, de raça e de classe”, explica.
A ideia, segundo ela, é atender as necessidades das pessoas mais precarizadas com base no entendimento de suas necessidades. “Que a gente possa entender a realidade através da fala de quem está ando pelas necessidades.”
Construção de afeto 664e73
Ao longo da conversa com o ND Mais, Ingrid Sateré-Mawé falou diversas vezes sobre construção de afeto como caminho para uma cidade melhor. Foi a partir desta perspectiva, por exemplo, que ela analisou o sucesso de sua campanha.
“Eu acredito muito numa construção de afeto, porque foi assim que a gente construiu a nossa campanha. Eu não tive, apesar de ter sido eleita numa chapa pura, eu não tive só votos de quem vota numa chapa pura, só de quem vota no PSOL ou quem vota no PT ou quem vota na esquerda. Eu tive pessoas que votaram no Dário, que votaram no Topazio, que votaram no Pedrão”, garante.
Segundo Ingrid, isso resulta da compreensão do papel dos povos originários na vida do país. “A gente que é do movimento indígena sempre traz uma perspectiva muito grande de que antes de direita e esquerda, nós somos os povos indígenas que estamos aqui há 524 anos segurando o céu, mostrando que nós fazemos, sim, ciência social, fazemos ciência econômica, fazemos ciência tecnológica e nós queremos trazer essa perspectiva, sem deixar de lado nenhuma população e continuar o trabalho de articulação que a gente já vem fazendo”, afirma.
Pessoas em situação de rua 2zh34
A construção de afeto volta a ser mencionada quando o assunto é pessoas em situação de rua. Ingrid entende que é preciso estabelecer uma política de redução de danos.
“Existe uma política nacional, que é a política de redução de danos, que hoje o maior problema que a gente tem dessas pessoas que estão em situação de rua, toda a vulnerabilidade que elas am, mas é o consumo desenfreado das drogas. Eu sou uma feminista antiproibicionista, então eu eu defendo a legalização e a descriminalização das drogas. Mas com uma política de redução de danos”, explica a vereadora.
Redução de danos é um tratamento para usuários de drogas em que, em vez da retirada dos entorpecentes de uma vez, as doses são reduzidas e outras providências tentam minimizar riscos
Ingrid entende que é papel das câmaras municipais articular nacionalmente questões como essa. “Não é um problema local, é um problema nacional”, ressalta.
Ela defende melhorias na estrutura do serviço público e do consultório ambulante, que atende essa população, com uma demanda de mais de 2.000 pessoas em situação de rua.
“Então, além de criar uma política socioeconômica para retirar essas pessoas, a maior preocupação é a redução de danos e a situação de saúde mental, que são as duas coisas que a gente precisa, primeiramente, de suma atenção para que essas pessoas se reestruturem para poderem viver em sociedade novamente. E a gente sabe que isso é possível. Mas a gente vai enfrentar, claro, o preconceito, o racismo.”
Segundo Ingrid, muitos dos que hoje estão nas ruas são vítimas de diversos tipos de violência. “Elas vêm de violências causadas pela LGBTfobia, pessoas que são expulsas de casa e vão para a rua e que se afundam no consumo desenfreado das drogas, do álcool. E também de pessoas, mulheres, principalmente, que am por situações de violência doméstica, de situação de violência sexual e que o único lugar em que se sentem acolhidas, entre aspas, é a rua”, lamenta.
“E o que elas vão encontrar na rua? Crack, prostituição. Elas vão encontrar tudo que fazem esse ciclo ainda ser pior de ser rompido.”
Ingrid cobra maior empenho do poder público com o tema. “A única política que a gente viu do nosso executivo municipal foi o aumento da criminalização com a internação compulsória. Que é uma política também que a gente acaba criticando o atual governo Lula, que acabou dando incentivo às comunidades terapêuticas, que eu sou totalmente contra, porque a gente já tem vários relatos de dinheiro público sendo usado para a tortura, como foi na época dos manicômios”, diz Ingrid Sateré-Mawé.
A nova vereadora elenca como urgente a elaboração de um projeto para encontrar alguma saída para o problema do ponto de vista da saúde. “A gente quer dar esse olhar de que é um problema de saúde pública, intensificar a fiscalização e ampliar esse assunto realmente para que ele possa ser visto com outro olhar para a população.”
Respeito e garantia de direitos 641h4i
A chegada à Câmara de Vereadores traz, para Ingrid Sateré-Mawé, a chance de apresentar um novo olhar sobre a questão dos povos indígenas. “Que nós não somos indígenas apenas quando estamos de cocar, com nossos grafismos. Que nós incluímos essa população, que somos mais de 25 mil habitantes em toda Santa Catarina, presentes em 228 municípios. Então o que espero é que as pessoas nos olhem e nos respeitem como pessoas.”
A luta pela garantia de direitos, no entanto, não se resume aos indígenas. “Temos nossas diferenças históricas e culturais, mas, apesar de não sermos mais iguais aos nossos tataravós, ainda temos direitos garantidos constitucionalmente. Vamos lutar para garanti-los, mas nós trazemos uma perspectiva de futuro para melhoria de toda a sociedade, não só nossa enquanto população indígena”, destaca Ingrid Sateré-Mawé.
Indígenas em Florianópolis 1e526z
As questões relacionadas às famílias indígenas que hoje ocupam o desativado Tisac (Terminal de Integração do Saco dos Limões) estão dentro de um contexto maior de luta e preservação de direitos destes povos. “Se hoje há necessidade é devido ao avanço do agronegócio. E eles estão aqui hoje porque eles perderam as suas terras para o agronegócio no Rio Grande do Sul, no Oeste, foram expulsos, com muito vandalismo, com muita violência.”
Entre o que já foi acordado e ainda não saiu do papel está a casa da agem, estrutura que erá construída no Tisac e servirá para abrigar os indígenas que estiverem, como o próprio nome diz, de agem pela cidade.
“A casa de agem existe em lei, precisa ser construída. Eu participei junto com o prefeito Topazio, que na época era vice, de todas as audiências de negociação que foram feitas na 4ª Vara Federal, e lá foi detectado que houve uma ação por parte da Câmara de má fé quando não houve, na aprovação do plano diretor, a mudança de zoneamento para a construção. Então a prefeitura está respondendo um processo. Tem uma multa que está rolando desde 2022 e que será revertida para a construção.”
O destino das famílias que hoje estão no Tisac ainda é incerto. De acordo com a vereadora eleita, de 10 a 15 famílias que hoje estão no Tisac não terão para onde ir quando a casa de agem começar a ser construída.
Constitucionalmente, segundo Ingrid, os povos indígenas podem reivindicar qualquer território da União para fazer de território. Ela ressalta, porém, que essa destinação não é tão simples.
O movimento do povo kaingang que está no Tisac tem a perspectiva de reivindicar outras terras da União em Florianópolis. “Terras da União, que são as únicas que nós podemos reivindicar enquanto território indígena. E que claro que não é simplesmente ocupar. Se a por todo um processo jurídico, de estudo, de articulação com a União, com o Ministério dos Povos Indígenas, Ministério da Defesa, para que isso seja realmente executado. Não é simplesmente assim ‘a gente ocupa e já é nosso, não’.”
Ingrid Sateré-Mawé defende tratamento canábico 1i3t
Ingrid revela ser PCD (Pessoa com deficiência), condição causada pela fibromialgia. Ela diz conhecer muitas mulheres que am por essa situação e não conseguem mais trabalhar, estudar e criar seus filhos, além de sofrerem com preconceito.
“Eu faço tratamento com óleo de cannabis já há muitos anos e não uso nenhum outro medicamento. E eu posso dizer que hoje eu vivo, porque eu já estive de cama antes de conhecer o tratamento.”
Com base nesta experiência é que ela pretende fazer com que o óleo de cannabis seja distribuído pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

“Nesse meu tratamento, eu conheci muitas associações em Santa Catarina, em Florianópolis, que produzem o óleo e que a gente tem uma pauta em comum: fazer com que a distribuição seja feita pelo SUS, que a gente possa preparar nossos profissionais para atender as diversas doenças que podem ser tratadas com cannabis”, conta.
De acordo com a nova vereadora, estas associações gostariam de atender mais pacientes, mas a intenção esbarra no alto custo do tratamento. “A sociedade tem cada vez mais buscado esse tratamento, mas muitas enfrentam a barreira do o, porque é um tratamento caro. Mesmo assim, hoje todas as pessoas que procuram a associação não ficam sem o óleo, porque ele funciona num sistema muito solidário.”
Ingrid afirma identificar uma boa vontade do poder público para instituir o tratamento canábico e que a ideia é intensificar a batalha. “No município tem a discussão de um projeto apresentado pela vereadora Carla Ayres (PT). E a tendência é intensificar. Essa semana já conversei com o presidente da Câmara, João Cobalchini (MDB), porque a gente tem uma necessidade muito grande. Existe vontade de uma população e abertura de diálogo dentro do espaço institucional.”
Ela também entende ser necessário vencer a resistência de parte da sociedade com o tratamento canábico. “Eu vejo que há a resistência pela falta de conhecimento. A ignorância faz com que as pessoas tenham essa resistência. Então o nosso objetivo também é de levar informação para que as pessoas possam sair da ignorância de uma forma muito estratégica, com o apoio da educação”, afirma.
“Cada vez mais a gente tem apoio de parlamentares que se colocam muitas vezes de Extrema direita e que já têm votado pela aprovação da liberação desse tratamento”, destaca.
Saúde mental 6d3d
Ingrid afirma que seu mandato será muito voltado à questão da saúde mental. “Nosso mandato tem uma preocupação muito grande voltada à questão da saúde mental. Então, o fortalecimento do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), dos CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social).”
Áreas de risco 5dj73
Na visão de Ingrid Sateré-Mawé, Florianópolis tem urgência em solucionar questões como ocupação de áreas de risco. No entanto, as mudanças climáticas tornam não apenas as pessoas que vivem nestas áreas, mas em todas as outras, potenciais vítimas de problemas relacionados ao clima.
“Quando se fala de crise climática, a gente fala de enchentes, de deslizamento, de pessoas ficarem desassistidas em todos os sentidos. E em Florianópolis a gente tem que dar um andamento urgente para essas áreas de riscos, mas também para as pessoas que não estão em áreas de riscos, que também não estão tendo essa assistência”, alerta.
Como exemplo, ela menciona os canais e as áreas pluviais, que também podem gerar um grande caos. “A gente fala da população mais precarizada, mas também de atenção a toda a população. Porque o que a gente viu no Rio Grande do Sul é que quando a natureza cobra o boleto, ela não cobra só dos mais precarizados, ela cobra de todo o mundo.”
O caminho, na visão da professora de biologia, é a educação. “Como professora, vou me empenhar muito, fazer esse trabalho educativo, para que de forma mais rápida a gente consiga sair dessa ignorância, que leva ao extremismo e à violência. E com isso a gente perde com produção de cultura, de economia e de afeto, com produção realmente de humanidade. Os nossos projetos são muito voltados a humanizar as pessoas e fazê-las se entenderem como parte desse processo político”, completa.
Em dezembro ado, Ingrid ou 15 dias em Dubai participando das conferências relativas à COP 28. De lá, trouxe a convicção de que as mudanças não dependem apenas da vontade de cada um, embora isso seja importante.
“É uma vontade política que a gente precisa ter do Estado, de fazer esse trabalho de conscientização e levar essa pauta realmente como prioridade, inverter as prioridades. Por quê? Se não tem vida, meio ambiente, não vai ter educação, saúde, planeta, nada. E Florianópolis precisa inverter isso. Porque a gente já tem perdido na questão do turismo, e isso reflete na economia”.
Para ela, é necessário aprender com exemplos externos. “Concretamente, eu acho que a gente precisa se basear muito em outros projetos que já acontecem fora. Ontem a gente viu que ou um furacão nos Estados Unidos e lá se levantou muitas coisas que já acontecem que fazem com que o plano de mitigação aconteça de fato”, avalia.
Desde pequenos 2l418
Para aumentar a conscientização, ela conta com pequenos colaboradores: as crianças. “A gente precisa trazer isso desde a creche. Primeiro que eles vão mudar toda a forma de ver a relação do ser humano com o meio ambiente, mas eles levam essa discussão para casa também. E quem é pai e mãe sabe que quando eles vêm falar, a gente reflete e não pensa só no presente, a gente pensa num futuro”, diz.

Projetos de Marquito 6f6353
Como parte da equipe que ajudou a construir o plano de governo do candidato do PSOL a prefeito, o deputado estadual Marquito, Ingrid garante que as propostas farão parte de sua plataforma de trabalho. Ao lado de Afrânio Boppré e Leonel Camasão, ela integrará a bancada do partido na Câmara de Vereadores de Florianópolis.
“A gente construiu esse plano de governo do Marquito a muitas mãos, muitas propostas saíram das plenárias que a gente construiu juntos. Então, com certeza muitas das pautas que Marquito já vinha trazendo, a gente vai incorporar na nossa atuação dentro da Câmara, aproveitando essa parceria com ele como deputado para fortalecer esse trabalho pensando também em 2026, para ampliar a nossa bancada dentro da Assembleia Legislativa.”
Ao longo da campanha, Marquito falou muito da questão do tratamento do lixo. Neste assunto, Ingrid Sateré-Mawé entende que é preciso tornar as regras mais rígidas, mas também compensar o engajamento e promover maior educação ambiental.
“Eu acredito que a gente possa ser mais duros quando fala em cuidar do lixo. Mas também pode dar recompensas. Educação com retorno socioeconômico, na questão do IPTU, por exemplo, impulsionando para que as pessoas queiram isso para si também, porque a gente precisa desse impulsionamento da sociedade para provar, e acelerar o processo de educação ambiental das pessoas”, explica.