Legislar é o de menos. O Brasil é campeão mundial em direito positivo. Há milhões de leis em vigor, do tipo das que “pegam e das que não pegam”. Nem mesmo o legislador federal (o Congresso) sabe ao certo quantas leis estão em vigor, e quantas já foram revogadas. Mas a máquina de produzir leis não pára, em Direito Penal, Civil e Processual.

Há novos legisladores em campo, produzindo com grande empenho e capricho, sobre todos os assuntos da vida humana – e o que é pior: sem autorização constitucional. Do nada, ou do Supremo, surgem legislações draconianas, com “enunciados” cada vez mais imprecisos e indefinidos: “atos antidemocráticos”, “crime de milícias digitais” e “delitos de fake news” – a nossa singela “mentira”, que, nunca se imaginaria figurar entre os códigos legais e ainda mais assim, em grafia da língua inglesa (!).
Vale tudo e nada se pune. Incendeiam-se uma praça pública, um monumento, ou um ônibus – com o gentil aviso de que os ageiros “saiam” daquele forno. Quebram-se grandes e pequenos estabelecimentos de comércio, alvejam-se a pedradas um banco ou uma simples padaria. E não acontece nada. A lei virou uma abstração. Obedece quem quer. Pior: pelas “novas leis”, manda prender “quem quer”, e sempre querem mais os chamados juizados superiores, com jurisdição sobre tudo e sobre todos.
Vale protestar seja lá contra o que for, negando o direito do “ir-e-vir” a outrem, que teve um dia de trabalho e quer chegar em casa. Ou seja: os costumes vão consagrando a aberração de legitimar um crime (interromper ou destruir a via pública) para defender um direito, por mais justo que seja.
É lícito assaltar o erário, meter a mão no “baleiro” ou na “cumbuca” – e ainda mais se o dinheiro for público. Tanto melhor se o político tiver direito a “foro privilegiado” e, portanto, contar, mais cedo ou mais tarde, com a compreensão de uma justiça que saiba ser justa em sua nova onisciência e onipotência.
Vale tudo para manter o poder e o regime da impunidade. As leis de prescrição de crimes são, aqui, as mais lenientes do mundo. No Brasil a lei parece vigorar só para os fracos, os cidadãos de bem que estão condenados ao pagamento dos impostos.
Bandidos indiciados por crimes graves – entre eles crimes de sangue, como homicídio e latrocínio – deixam as grades e se homiziam nas asas da liberdade, protegidos por uma dogmática “presunção de inocência”, mesmo para réus confessos.
Os latrocidas, os estupradores, os traficantes, todos ainda têm recursos em grau de apelação, pois sentença transitada em julgado é “avis rara” no emperrado sistema legal brasileiro. Logo, todos serão candidatos à liberdade de que gozam os justos, os tementes à lei e ao Direito.
A decisão de libertar criminosos até o “nunca-realizável” trânsito em julgado representa grave condescendência com o crime, além de incitar à revolta popular pela consolidação oficial da impunidade. Demonstra a inocuidade da lei a uma população que tenta, com sacrifício, educar seus filhos pelo bom exemplo, contando com o primado do Direito.
Leis não faltam num país de herança bacharelesca, onde há impunidade para tudo e normas legais para nada – prevalecendo “as que não pegam”. Se os ladrões têm imunidades, prendam as vítimas…