Em campanha eleitoral, os candidatos à Presidência têm travado um embate sobre os “sigilos de cem anos”. De um lado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirma que vai “fazer um decreto” para acabar com a restrição de o a informações envolvendo o governo de Jair Bolsonaro (PL). Já o presidente o desafiou a apontar um decreto seu que tenha determinado sigilo.
Confira como funcionam essas restrições de o à informação e quais as possibilidades para revogá-las.

– O que são os “sigilos de cem anos”? 6xj6j
Não existe decreto de sigilo de cem anos, destaca Carlos Affonso Souza, advogado e diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade). “O que existe é uma decisão istrativa que recusa o a documento público por ele conter informações privadas”, completa.
Isso é estabelecido por meio da LAI (Lei de o à Informação). Sancionada em 18 de novembro de 2011 pela então presidente Dilma Rousseff (PT), a lei assegura o direito fundamental de o à informação, com o “sigilo como exceção”.
O artigo 31 da lei sinaliza o prazo máximo de um século para informações consideradas pessoais.
Um levantamento feito pela agência Fiquem Sabendo para a AFP de todos os pedidos de informação já negados na Lei de o à Informação desde 2015 (a partir de quando os dados ficaram disponíveis) mostra alguns casos enquadrados nos “cem anos de sigilo” durante o governo Bolsonaro.
Há, por exemplo, o cartão de vacinação do presidente, seus testes de covid-19 e receituário médico no tratamento da doença, visitas à primeira-dama, Michelle Bolsonaro, no palácio da Alvorada e o polêmico caso dos documentos sobre a participação do general Eduardo Pazuello em ato com o mandatário.
– Como se dá essa restrição de o à informação? 481x2t
O prazo centenário é avaliado em nível istrativo por um servidor, que decide se determinada informação se caracteriza ou não como pessoal segundo o artigo 31 após um pedido de o à informação, que pode ser feito por qualquer cidadão a órgãos do governo.
“Quando o governo recusa o a um documento por cem anos, ele não faz isso porque a informação é importante para a segurança do Estado, mas sim por entender que ela é privada e que não existe interesse público nela”, diz Souza.
Rafael Zanatta, advogado e diretor de pesquisa da Associação Data Privacy Brasil, lembra, contudo, que a lei foi criada para “proteger cidadãos de abusos do Estado, e não para proteger representantes políticos ou os que exercem cargos e funções de interesse público”.
– Sigilos de até cem anos podem ser revogados? 1k3m12
As classificações de sigilo ou restrições de o à informação podem ser revistas por um novo presidente, comentam Zanatta e Renato Toledo, advogado e doutorando em Direito do Estado pela USP (Universidade de São Paulo).
Para isso, caso eleito, o líder do PT precisaria “rever alguns entendimentos, como o de que se informações médicas de um presidente (ou servidores em geral em cargos de chefia) são públicas ou não”, explica Luiz Fernando Toledo, cofundador da Fiquem Sabendo e pesquisador no Brown Institute, da Universidade de Columbia.
Os dois advogados concordam que um decreto poderia ser uma das vias para a mudança. Zanatta lembra, no entanto, da existência de um sistema legal obsoleto de classificação de informações. Nesse sentido, ele afirma, o presidente poderia preparar um novo projeto de lei que reformasse a LAI, “atacando problemas mais estruturais”, como a não descrição de um prazo menor que cem anos para a aplicação do sigilo nas informações pessoais.