Informação falsa, mentira, calúnia, desinformação ou simplesmente Fake News. O termo amplamente conhecido e popularizado na língua inglesa já indica o contexto global em que está inserido. A expressão está presente no dia a dia dos últimos anos, principalmente em época de eleições, quando o assunto toma conta da discussão pública.
No Brasil não é diferente. O tema foi potencializado durante as disputas eleitorais de 2018 e é alvo de preocupações diariamente. É o que motiva o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a prometer rigor no combate às Fake News neste ano, anunciando parcerias com aplicativos como WhatsApp, Telegram e até Spotify, assim como ações em várias outras redes sociais.
No entanto, a discussão vai além. Afinal, quem define o que é uma informação falsa? Como é feita a fiscalização? E quais são as ações, na prática, para evitar a desinformação em massa? Para ajudar a entender essa e outras questões, o ND+ entrou em contato com entidades e profissionais do assunto em Santa Catarina.

Preocupação crescente 54265n
Para as eleições de 2022, o TRE/SC (Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina) instituiu seu próprio Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação. A coordenadora do Grupo de Apoio Técnico ao programa, Karine Borges de Liz, reforça que a atenção ao tema está muito maior.
“A preocupação vem aumentando na mesma medida da tecnologia e a multiplicação de mensagens pelo mundo”, afirma.
O impacto da tecnologia à veiculação de informações é visível. Em pesquisa realizada em 2019 pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, 79% dos entrevistados responderam receber notícias diariamente pelo WhatsApp.
Este é um dado que acende o alerta para as entidades. “Hoje, cada pessoa virou um produtor de conteúdo. A desinformação existe desde sempre, mas só nos dias atuais temos plataformas de informação em massa. O WhatsApp é uma ferramenta que, assim como qualquer outra, pode ser boa ou ruim. As pessoa têm que saber usar, ter muito cuidado no que vai ar adiante”, reforça Karine Borges de Liz.
Mas o que são, exatamente, as Fake News? 2y5kp
Uma resposta precisa para esta pergunta é o sonho de muitos estudiosos, mas o consenso é de que “não existe”.
A origem da popularização do termo em escalas astronômicas está nas eleições estadunidenses de 2016. Rapidamente a ‘moda pegou’ no Brasil, mas, de acordo com a secretária-geral da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SC, a advogada Luiza Portella, a expressão é “vaga e muito ampla”.
“Acabamos chamando esse fenômeno de desinformação, e ele engloba não só a informação falsa propriamente, mas informações fora de contexto, deturpadas, manchetes que não condizem com a matéria, e por aí vai”, explica.
Portella destaca ainda que “infelizmente, não possuímos a definição clara do que vem a ser desinformação na legislação atual”.
Segundo a servidora do TRE/SC, Karine Borges, “é muito complicado estabelecer uma régua e como precisos” para apontar o significado da palavra.
O papel de punir os responsáveis, portanto, fica a cargo da Justiça Eleitoral, que interpreta e decide o que se configura ou não como desinformação de acordo com cada caso.
Karine Borges explica que a Justiça está “muito atenta”, especialmente neste ano, em todos os aspectos que visam “informar, capacitar e responder” à população.
Ampliação de medidas contra a desinformação: aposta em parcerias com aplicativos e frentes de combate 2ib10
Para as eleições de 2022, o TSE promete ainda mais rigor contra a propagação de notícias falsas. Entre as medidas já apresentadas estão parcerias com aplicativos e punições graves para candidatos, como a cassação do mandato. No final de março deste ano, foi oficializada a Frente Nacional de Enfrentamento à Desinformação.
O que diz a lei: quem pode ser punido? E como? 61r3
As penas para a propagação de informações falsas na internet incluem a remoção de conteúdos ou banimento de perfil nas redes sociais e multas que podem chegar a R$ 30 mil. Isso vale tanto para candidatos e partidos como para os eleitores em geral.
Para os candidatos, no entanto, as consequências podem ser ainda mais rígidas, conforme esclarece a advogada Luiza Portella.
“Se vislumbrada a ocorrência de abuso, implicará na cassação do registro da candidatura, ou caso já tenha ocorrido a diplomação, na cassação do mandato e na inelegibilidade pelos próximos 8 anos a contar da eleição em que ocorreu o abuso”.
Cenário que foi ratificado pela fala do atual presidente do TSE, Alexandre de Moraes, em evento no dia 31 de maio. “Notícias fraudulentas divulgadas por redes sociais que influenciem o eleitor acarretarão a cassação do registro daquele que a veiculou. A Justiça Eleitoral está preparada para combater as milícias digitais”, disse na ocasião.
Visto que ainda não há tanta clareza assim a respeito do tema, as interpretações podem variar de caso a caso.
Portella destaca que “como não existe uma norma específica, deixa aberto para a aplicação analógica e extensiva de outras, o que pode gerar outras penalidades a depender do que o juízo entender”.
A profissional aponta que dois artigos devem pautar as questões de desinformação:
- Art. 9º – A utilização, na propaganda eleitoral, de qualquer modalidade de conteúdo, inclusive veiculado por terceiras(os), pressupõe que a candidata, o candidato, o partido, a federação ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação, sujeitando-se as pessoas responsáveis ao disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)
- Art. 9º-A – É vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos, devendo o juízo eleitoral, a requerimento do Ministério Público, determinar a cessação do ilícito, sem prejuízo da apuração de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)
Ela classifica três vias principais para a aferição de uma desinformação na justiça: representação por propaganda irregular; representação com pedido de direito de resposta; e Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE).
Também existe a possibilidade de configuração de crime eleitoral:
- Art. 323 – Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado
- Art. 324 – Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime
- Art. 325 – Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação
- Art. 326 – Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro
- Art. 326-A –Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação istrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade istrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral
- Art. 326-A. §3º – Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído
“O debate está longe de ser pacificado”, garante a secretária-geral da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SC.
“A liberdade não existe em absoluto”, diz analista 152h5a
A disseminação de desinformação nas redes sociais é tema de análise do CIDAD (Comissão de Confiabilidade Informacional e Combate à Desinformação), um projeto interinstitucional entre a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina).
Coordenador do projeto, o bibliotecário-documentalista Leonardo Ripoll falou em entrevista ao Grupo ND sobre as possibilidades e maneiras de combater as Fake News, as medidas apresentadas pelo TSE e o dilema envolvendo a liberdade de expressão.
Leia a entrevista: