Celebrada nacional e internacionalmente como cidade inovadora, Florianópolis ainda preserva muitos sinais analógicos espalhados pelo cenário urbano. Uma olhada para cima, na maior parte das ruas, e o que se vê? Uma parafernália de fios misturados, cujas funções são incompreensíveis para os leigos – exceto os fios que conduzem energia, em geral bem destacados nos postes e protegidos por isoladores. Técnicos de empresas telefônicas ou de TV a cabo e internet, quase sempre identificados pelos uniformes, mexem e remexem nos fios, esticam, encurtam, conectam ou desconectam, mas ninguém melhora o aspecto de rolo (ou enrolação) muito feio e ultraado.
Há muito tempo, no governo de Sérgio Grando (2003-2007), a prefeitura começou um programa de substituição da fiação aérea por conexões subterrâneas. O projeto continuou na gestão de Angela Amin (2007-2015), mas na verdade pouco foi feito e esse pouco ficou ao Centro Histórico, em especial na região do calçadão. A alegação oficial para o desprezo a essa solução é o alto custo. Comerciantes e moradores teriam que dividir o investimento com o poder público.
Memória da tecnologia sob os pés
Mas se os postes estão abarrotados de fios, o que significam as tampas de ferro fartamente distribuídas pelas calçadas em muitas áreas da Capital, indicando que abaixo delas existem “caixas” de telefonia ou de distribuição de energia?
Em várias estão gravados os nomes de empresas que não existem há anos. No caso da marca Cotesc (Companhia Catarinense de Telecomunicações), tratava-se da estatal de Santa Catarina extinta há quase 50 anos, depois que foi incorporada pela Telesc (Telecomunicações de Santa Catarina), estatal federal do sistema Telebrás, privatizada no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Há dezenas de tampas com a inscrição Telesc talvez para nos lembrar de um período de grande inovação e progresso no campo das telecomunicações. Se chegamos hoje à quase perfeição tecnológica, tudo começou lá, com a Telesc e com os pesquisadores da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). E a quantidade de tampas com a marca Telesc mostra o quanto a telefonia fixa já foi importante para a vida de todos nós.
Telefones públicos resistentes
Outro sinal analógico que o tempo ainda não superou são os orelhões, bem poucos, se comparados com 10, 15 ou 20 anos atrás. Muitos estão depredados, pichados, misturados a sucatas, lixeiras quebradas e outros elementos urbanos que comprovam a falta de zelo do poder público com a cidade “inovadora”.
Obviamente que os telefones fixos e os orelhões caíram em desuso depois que a comunicação digital, via telefones celulares, se popularizou e tornou tudo muito mais fácil e prático, inclusive o o à internet. Hoje é difícil até encontrar os cartões usados para fazer as ligações a partir dos orelhões, que eram vendidos em bancas de revistas, quiosques e lojas de conveniência. Aliás, as bancas que resistem em poucos pontos da cidade, também indicam, simbolicamente, um mundo analógico sobrevivente.
Do tempo das cartas
Mais um sinal do mundo analógico, hoje presente a poucas ruas, são as caixas de coleta de correspondência dos Correios, muito comuns até a década de 1990, antes do advento do e-mail e bem antes dos aplicativos de mensagens instantâneas nos smartphones. Na região central há pelo menos uma, na Rua Esteves Júnior, que está em bom estado e aparentemente ainda é utilizada para remessa de cartas ou contas. Amigos registram que em lugares mais distantes, como a Cachoeira do Bom Jesus, essas caixas ainda existem, porque suprem a falta de uma agência dos Correios nos bairros. Para usar o serviço é preciso ter selos em casa, loja ou escritório, de acordo com a tarifa atualizada para correspondências simples.
Essas presenças analógicas são testemunhos físicos incorporados à memória da cidade. No caso de elementos tecnológicos, como lembra o professor aposentado Marcelo Martins, do IFSC (Instituto Federal de Santa Catarina), “tudo o que é descoberto pelas novas gerações pode ser entendido como ‘nova tecnologia para elas’ – no sentido de que era uma tecnologia desconhecida ou pouco conhecida”. O telefone fixo, por exemplo, é algo que está se tornando cada vez mais distante da realidade das pessoas. E parar num orelhão para fazer uma ligação é mais raro ou desnecessário. Mas o telefone público é uma prova física da evolução tecnológica do século 20, da engenhosidade humana a serviço da comunicação.