
Até poucos anos era possível dizer que o Centro Histórico de Florianópolis havia se transformado numa região “sem vida”, por causa da visível degradação urbana, em especial do setor Leste da Praça 15 de Novembro. Essa realidade vem mudando bastante, graças ao esforço de segmentos da sociedade civil, comerciantes tradicionais e novos empreendedores. Várias iniciativas mais ou menos recentes contribuem para mudar esse perfil e resgatar o espírito do espaço cívico, comercial, religioso, político e cultural, identificado pelo urbanista Nelson Popini Vaz em seu livro “O Centro Histórico de Florianópolis – Espaço Público do Ritual” (FCC/UFSC, 1991), “Seus espaços públicos (do Centro Histórico) de ruas, praças e logradouros comportam as seculares atividades de circulação (que tornou-se primordial), comércio ambulante e pequenos serviços, contudo, valorizando o contato primário, face a face, que se torna atividade de comunicação necessária no contexto atual”.
E, de fato, quem circula pela região percebe que o Centro é ainda a referência humana mais importante da cidade, com vida intensa entre o início da manhã e o anoitecer, um pouco menos frenética depois das 20h.
Entre as iniciativas recentes que resgatam a “vida” no Centro Histórico estão o projeto Viva a Cidade e empreendimentos como o Tralharia, loja de antiguidades e bar com música ao vivo na rua, localizado na Rua Nunes Machado, que já completou três anos de atividades, cativando um público fiel e descolado. Também merecem destaque referências culturais como a Faferia, do jornalista Fifo Lima, e a loja Desterrados, do fotógrafo Tasso Cláudio Scherer, A_Galeria (proposta de moda autoral contemporânea), entre outras inovações.
A revitalização dos espaços públicos centrais, tão prometida e protelada desde a gestão de Dario Berger (2005-2013), somente agora começa a ganhar força, com o poder público ainda a reboque da sociedade civil. O Setor Leste da Praça 15 se recupera graças a práticas de gestão de alguns empreendedores, embora persistam problemas visíveis como a degradação da Rua Victor Meirelles. A antiga Escola Antonieta de Barros, com mais de dez anos de abandono, só agora parece a caminho de uma solução, devido ao trabalho continuado de urbanistas, artistas e empresários.

Um novo eixo cultural
Não dá para ar reto pela Rua Vidal Ramos, revitalizada há cerca de seis anos graças ao empenho da iniciativa privada, que, com apoio da ACIF, do Sebrae e da prefeitura, virou uma via charmosa que hoje é case nacional de urbanismo. Num sábado por mês a rua é fechada ao tráfego de veículos para realização da Vidal Ramos Cultural, com feira de produtos orgânicos, música, artistas plásticos criando suas obras, degustação de chope e atrações gastronômicas. A empresária Rose Macedo Coelho, que lidera a manutenção física e a agitação da rua, está sempre envolvida com essas ações, ressaltando o objetivo que nasceu com a revitalização: o espírito de movimento, de dinâmica constante.

Vão central sem frescuras
O eio central da Avenida Hercílio Luz é outro ótimo destaque do Centro, porque incorporou o “espírito popular” da vão central do Mercado Público, depois que este foi reformado e elitizado pela istração do prefeito Cesar Souza Júnior.
A Praça 15 não é um caso à parte. Sua manutenção pelo Koerich garante a beleza acolhedora dos jardins. A retomada do Coreto Maestro Hélio Teixeira da Rosa para apresentações culturais é um ótimo exemplo do que parcela da istração pública (no caso, a Fundação Franklin Cascaes) pode fazer para garantir a ocupação cidadã dos espaços públicos, mesmo com parcos recursos, mas com a disposição e a garra dos seus gestores.

O Largo da Catedral (São João Paulo 2º) tornou-se o lugar do encontro e do reencontro dos movimentos sociais e políticos do campo progressista. Foi um dos locais mais agitados da campanha eleitoral de 2018, comprovando o quanto o Centro Histórico, por ser democrático, é essencialmente político e cultural.
E quando se trata de enfatizar o clima de convivência e alegria do Centro, não é possível esquecer os cafés que se espalharam por quase todas as ruas, ampliando o conceito de Senadinho que era exclusivo do antigo Ponto Chic. O café do Bob’s, por exemplo, é um dos pontos de encontro mais valorizados e frequentados do centro. Quer ouvir ou participar de bate-papos sobre política e economia? Ou conferir a velha prática florianopolitana de “falar mal da vida alheia”? Ali ainda resiste essa nossa característica tão marcante e divertida.

O calçadão e a falta de zelo
O setor Oeste da Praça 15 mantém suas características nas principais ruas – Conselheiro Mafra, Trajano, Felipe Schmidt, Deodoro. Nesta, a conclusão das obras de restauração da Igreja de São Francisco, empresta um ar renovado à região, quase 10 anos após o início da reforma do templo – o mais antigo do Centro Histórico (do início do século 19) e um dos refúgios espirituais mais frequentados pelos florianopolitanos e visitantes.
Um dos problemas do calçadão central continua sendo o constante vaivém de caminhões das transportadoras de valores, que destroem o piso de petit pavê e ameaçam a segurança dos antes. Trata-se de uma questão de urbanidade que a prefeitura não consegue resolver. Quem circula pelas principais ruas do calçadão tem a convicção de que essas transportadoras “mandam” em Florianópolis, fazem o que querem e não há autoridade que se importe. O mínimo que as empresas deveriam fazer seria reparar os danos causados, que não são poucos.
Outro desafio é articular uma solução para a falta de gestão de resíduos. À noite e logo cedo é possível perceber o descaso dos comerciantes com essa questão. Durante a última greve dos trabalhadores da Comcap todo o calçadão central virou um caos, justamente por falta de consciência dos lojistas e dos condomínios de escritórios e consultórios.