Entrar em um estúdio e ser confundida com a acompanhante do vocalista não impediu Carol Tirloni de conquistar seu espaço na indústria fonográfica. A catarinense, de 33 anos, é cantora em Florianópolis há dez e participa da banda punk Oyster, onde inspira mulheres de todas as idades a se expressarem através da música.

“Uma mulher foi ao nosso show e comentou com o baterista que faz aula de música há seis anos e achava que não tinha como cantar porque é mais velha, mas me viu no palco e percebeu que é possível. A representatividade é muito importante”, destaca Carol, que decidiu deixar a carreira de designer gráfica para se dedicar totalmente à música nos próximos anos.
Como Carol, mais mulheres estão atuando na área, mesmo que de forma tímida, como mostra o primeiro relatório “O que o Brasil ouve”, do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), divulgado em março deste ano.

A pesquisa aponta que “houve uma maior participação das mulheres nesse mercado em relação ao ano ado, mas o caminho ainda é longo se quisermos falar de igualdade e equidade de gênero na música”.
Quase 23 mil artistas mulheres foram beneficiadas com direitos autorais, o que representa cerca de 10% do total de titulares pessoas físicas contempladas em 2021. A participação feminina entre os beneficiados teve um aumento pequeno, mas importante, de 5%, conforme o relatório.
Dos cadastrados, cerca de 85% são homens. Apesar do número esmagador deles, a presença feminina dobrou na lista de beneficiados com direitos autorais de 2020 para 2021, saltando de 2% para 4%. No entanto, o ranking “100 autores com maior rendimento” dos últimos cinco anos aponta que apenas 5% são mulheres.
A os lentos é possível perceber a maior participação das mulheres também nos shows, diz Carol. “O número de homens ainda é muito maior, mas nos últimos cinco anos aumentou muito a quantidade de mulheres nas bandas em Santa Catarina.”
As músicas mais tocadas 156b4w
Com base no ranking das cem músicas nacionais mais tocadas, apenas 27 letras foram escritas por mulheres. Entre os 19 nomes que aparecem, o que mais se destaca é o de Lari Ferreira, com oito composições neste ranking.
Larissa Ferreira da Silva tem 381 obras cadastradas no banco de dados do Ecad, incluindo sucessos como “Eu sei de cor”, “Vidinha de balada” e “Romance com safadeza”. Em seguida, com três músicas cada, aparecem Anitta e as integrantes da dupla Day & Lara, Dayane Camargo e Lara Menezes.
As demais autoras aparecem uma única vez: Lea Magalhães, Maraísa, Marcia Araújo, Simaria, Simone, Paulinha Gonçalves, Iza, Waléria Leão, Fernanda Mello, Wynie Nogueira, Paula Mattos, Vanessa da Matta, Valéria Costa, Izabella Rocha e Gabriela Melim.
Espaço e oportunidades 1o114w
Maior respeito e representatividade na música também é o que busca a soprano Carla Domingues, de 39 anos. Ela é solista em concertos e óperas de importantes orquestras nacionais e internacionais, além de vocalista da banda catarinense No One Spoke, que une elementos do heavy metal e violino.

“É um espaço que vem sendo conquistado com muita luta, temos muitas cantoras que fazem uma carreira bacana, como a Dandara Manoela [cantora catarinense]. A gente conseguiu muitas coisas, mas sempre tem que pensar em como ampliar o nosso papel na sociedade, que precisa ser mais respeitado.”
Carla avalia serem dois os elementos principais que podem barrar a visibilidade das mulheres na indústria: gênero musical e espaço longe dos grandes centros.
“Para quem trabalha com música autoral, sobretudo com rock e heavy metal, porque esbarra em num público mais , além da falta de apoio financeiro, que torna o mais difícil para viabilizar projetos. As pessoas se interessarem menos por música autoral, é mais difícil”, afirma. Ela, que também faz música erudita, diz que trabalhar com orquestras e bandas cover são mais fáceis de serem viabilizadas.
Trabalhar fora do eixo Rio-São Paulo, duas das maiores cidades culturais do país, também traz dificuldades. “Tem mais lugares para se apresentar, mais público, mais interesse em geral. Acho que não é algo de Santa Catarina, é sobre estar afastada do polo”, diz ela.
A opinião de Carla sobre a dificuldade de visibilidades de trabalhos feitos por mulheres em gêneros musicais que não são historicamente “tidos como femininos”, como o rock e heavy metal, se complementam à visão de Andressa Versa, MC de 24 anos.

Como artista de hip-hop, ela acredita que Santa Catarina não tem o hábito de consumir artistas locais como ocorre em outros Estados das regiões Norte e Nordeste.
“As pessoas enxergam a cultura regional restrita à música regional feita por imigrantes. Precisa ser enxergado como cultura local quem produz aqui”, diz. Para ela, o rap e o hip hop também sofrem estigmas e são raramente contemplados em editais culturais.
A vocalista do No One Spoke pondera, ainda, que Santa Catarina é um Estado diversificado, onde “muitos grupos de teatro conseguem fazer espetáculos rodarem. Com a retomada das atividades presenciais o público ansiando por receber e voltar a sentir o pulsar da cultura e uma das coisas mais importantes foi a viabilização do edital Aldir Blanc”, afirma.
Foram enviadas 2.530 propostas culturais para concorrer ao edital Aldir Blanc no Estado. Com resultados divulgados em dezembro de 2021, ele disponibilizou mais de R$ 27 milhões a trabalhadores da cultura, artistas, grupos, coletivos e instituições artísticas culturais e pontos de cultura com comprovada atuação em suas respectivas áreas.
Liberdade e força 3b4k11
Mesmo como a única mulher na banda Oyster, Carol conta que consegue falar sobre temas sensíveis com os outros integrantes, mas nem sempre foi assim.
“Lembro que 15 anos atrás nós ouvíamos Raimundos e as letras eram normalizadas. Hoje a gente vê que são letras extremamente sexualizadas e ruins com mulheres. E é uma banda de referência até hoje. Acho legal que nessa banda que eu estou, por mais que sejam eu e mais três caras, eles sempre me incentivam a falar dos problemas e a chamar mulheres para os shows”, garante.
Ela comenta que existe um nicho dentro do hardcore, apelidado de ‘machocore’, que se resume a homens que ouvem e respeitam apenas outros homens.
“Antes de ter essa banda eu participei de outras que apresentavam uma letra horrível, sexualizando a mulher, e já cheguei a dizer que não ia cantar”, garante.
Mas agora é diferente. Ela compõe letras como a pressão estética sofrida pelas mulheres e fala de empoderamento feminino. “Foi legal perceber os caras da banda se questionando e mudando de comportamento.”
Com mais respeito e oportunidades, as mulheres estão deixando sua marca na música catarinense. Para Geraldo Borges Costa, um dos proprietários da Célula Showcase, reduto do rock de Florianópolis, houve um aumento expressivo da presença feminina nas bandas.
“Acho que pelo empoderamento e pela resistência elas estão sendo mais ouvidas porque elas estão ocupando o espaço que é delas, não porque os homens aceitaram mais as mulheres. Elas mostraram e vieram com sangue nos olhos, sabe? Elas têm muito mais força”, defende.
Ouça as artistas 424a6b
Carol Tirloni, da banda punk Oyster

Redes sociais: @caroltirloni e @oysterpunkrock
Plataforma de streaming: Oyster
Carla Domingues, da banda No One Spoke

Redes sociais: @carladominguesoficiail e @noonespoke
Plataforma de streaming: No One Spoke
Próximo show ocorre neste sábado (30), na Célula Showcase, em Florianópolis, às 23h.
MC Andressa Versa

Redes sociais: @salveversa
Plataforma de streaming: MC Versa