O cancelamento das turnês de Ivete Sangalo e Ludmilla é um balde água fria tardio nas pretensões do mercado de shows e festivais no Brasil.
Experimentamos a partir do pós-pandemia um “boom” no segmento do entretenimento, como se explodisse uma demanda reprimida por shows e espetáculos, das gigantes turnês internacionais e nacionais até os bares de ruas e circuitos independentes.
Mas ao cabo de um ano, vários alertas foram dados por produtores e artistas sobre uma bolha que dominava o mercado brasileiro e que estava sob pressão para estourar.

As razões são várias, desde a demanda de público que arrefeceu, altos custos de produções, cachês e muita, mas muita concorrência de artistas em trânsito. A demanda duradoura de um público sedento por shows que se esperava com o fim da pandemia perdeu gás.
Artistas até lucram, mas a maioria hegemônica “subsistem” das apresentações ao vivo, seja por ingressos, participações em bilheteria ou até mesmo na venda dos seus merchandising (camisetas, souvenires, CDs, vinis) ao final das apresentações.
No caso dos shows internacionais vimos um mercado inflacionar sobremaneira ao pagar cachês exorbitantes, muitas vezes superestimados e isso vale para turnês solos ou festivais. Eu questiono por exemplo os quase R$ 60 milhões gastos para o show de Madonna na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, há duas semanas.
Só acontece onde há gente disposta a bancar e o Brasil se tornou o “Eldorado” dessas investidas megalômanas. Longe de mim questionar o tamanho da Rainha do Pop, mas para o Brasil seu preço é irreal.

Então, nessa onda entraram os artistas brasileiros com as chamadas “super turnês” com dezenas de apresentações em praticamente todos os Estados do país, para grandes públicos, estrutura caríssimas e gigantes. Deu certo com Titãs e outros poucos.
Nessa esteira entraram o cantor Jão (que ainda mantém sua agenda), depois as cantoras Ludmilla e Ivete Sangalo. Os casos destas duas representa o estouro dessa bolha.
Ambas estavam com as suas “correrias” pelos palcos do país sob a tutela da mesma produtora. As duas anunciaram, no mesmo dia, o cancelamento das suas turnês e que ariam pela Grande Florianópolis: Ludmilla com o show “In The House” no dia 9 de agosto na Arena Opus e Ivete com “A Festa” em 1º de fevereiro de 2025.
Pelo menos, Ivete Sangalo segue confirmada no Folianópolis 2024, em novembro, na Capital.
A justificativa das duas cantoras foi praticamente a mesma: a produtora responsável pela turnê não conseguiria garantir as condições necessárias para as apresentações ocorrerem.

A questão é de lógica e também de superestimar um mercado tão complexo quanto o Brasil. E também desigual, pois as regiões têm suas disparidades em relação ao poder de compra da sua população. Tem a questão do tamanho. Se você monta um show que lota três noites seguidas em um estádio de São Paulo não quer dizer que ele dará certo também em Porto Alegre, Curitiba, Aracajú, Recife ou Florianópolis.
São locais com menor densidade de público e visibilidade para patrocinadores, onde você não vai levar 25 a 30 mil pessoas, mas o custo de estrutura e produção segue o mesmo.
A conta então não fecha, a produção pede por readequações para reduzir custos e estrutura, ingressos não vendem e encalham, artistas se frustram e o projeto morre.
São muitos shows e festivais e que custam caro! Muitos agregam quase nada e replicam um modelo em série. Shows e festivais de médio grande porte no Brasil são sofríveis – quanto mais em Floripa.
Os castings viraram uma farofa pobre em variação, “porém” instagramáveis. Sai um, entra outro e nada acrescentam, só requentam a mesma paleta de artistas socada goela abaixo em troca de um mainstream alternativo da vez e um “feat”. Também nem se dão ao trabalho de mudar de local. Tá descarado, gente.
Nós percebemos isso no dia-a-dia, nos circuitos locais, nas cidades e bairros. O caso do Centro-Leste de Florianópolis é um bom exemplo dessa a de pressão. São muitos bares, conveniências e agora distribuidoras de bebidas atuam também na venda direta bastando abrir uma porta.
Há muitas reclamações de proprietários de bares e artistas de que, embora as ruas estejam lotadas, o público já não tem tanto aquele entusiasmo e recurso para pagar para ouvir uma banda, tomar um drink mais elaborado ou um chope artesanal “gold” e bancar a taxa de “serviço” – que é justa.
É a nossa vizinhança que sente a paulada dessa degradação do ambiente do entretenimento. São os bares, as pequenas casas de show e os artistas próximos que mais precisam do público para sobreviverem e também renovar o cenário artístico. A verdadeira experiência está na nossa aldeia.
Onde vamos parar eu não sei, mas já ou da hora de se repensar muitas coisas.