Como Florianópolis pretende chegar a ‘Lixo Zero’ até 2030 n6nd

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Projeto quer desviar dos aterros sanitários em até duas décadas 95% dos resíduos orgânicos e 60% dos recicláveis secos. Para isso, comunidades precisam colaborar com o poder público

Você pode até não saber, mas toda vez que faz sua parte e recicla o próprio lixo, está ajudando na renda e sobrevivência de 370 pessoas em Florianópolis, além de colaborar com o meio ambiente e também com o próprio bolso.

Todas estas vantagens motivam a Capital catarinense a projetar a meta de ter “Lixo Zero” até o ano de 2030. O compromisso visa desviar 95% dos resíduos orgânicos e 60% dos recicláveis secos do aterro sanitário.

Florianópolis planeja ter Lixo Zero até 2030 – Foto: DivulgaçãoFlorianópolis planeja ter Lixo Zero até 2030 – Foto: Divulgação

Davi Chaves da Silva, de 20 anos, faz parte de uma das mais de 200 famílias que têm sua renda vinda de um dos sete galpões instalados em Florianópolis onde parte do material reciclável é levado.

“A quantidade de resíduos não recicláveis que chega em nossa associação é de 30%. Então, com esse planejamento da prefeitura de chegar a 95% do lixo orgânico a ser reciclado, aumentaria gradativamente a renda de muitas famílias”, afirma ele.

A presidente da ACMR (Associação de Coletores de Materiais Recicláveis), Sarajane Rodrigues, vive da renda das coletas há mais de 20 anos, e acredita que o avanço considerável na reciclagem irá representar uma grande melhora na qualidade de vida dos trabalhadores.

Segundo ela, é possível que o aumento na renda dos catadores e de 50%, caso os números estimados pela prefeitura realmente sejam alcançados.

“Vai ser muito bom se isto acontecer, eu trabalho com isso porque gosto muito, até já saí e fui para um emprego fixo, mas não me adaptei. Várias outras pessoas também estão lá por escolha própria, então se melhorar a qualidade irá impactar positivamente na vida das pessoas”, destaca a presidente da associação.

“Com a reciclagem, o morador está contribuindo em uma cadeia social. Por que esse material da coleta seletiva é direcionado para a associação de catadores, que dependem da matéria-prima para conseguir renda e manter sua sobrevivência”, afirma o engenheiro sanitarista e superintendente de gestão de resíduos da Prefeitura de Florianópolis, Ulisses Bianchini.

Sarajane Rodrigues vive da coleta de lixo há 20 anos e diz que o avanço da reciclagem vai proporcionar aumento de renda para ela e impactar positivamente a cidade – Foto: Arquivo PessoalSarajane Rodrigues vive da coleta de lixo há 20 anos e diz que o avanço da reciclagem vai proporcionar aumento de renda para ela e impactar positivamente a cidade – Foto: Arquivo Pessoal

Custo alto 2p654m

Davi Chaves reforça que, no atual momento econômico de alta nos preços, custos de vida e de desemprego, a renda dos resíduos se tornou fundamental para muitas pessoas.

“O aumento dos recicláveis ajudaria muitas famílias que dependem dos materiais, pois muitos estão desempregados e a única fonte de renda é a reciclagem. Por isso, a separação de reciclagem que você faz em casa pode ajudar uma família que depende dessa fonte de renda”, pondera.

E não é só a vida dos catadores que é influenciada com a reciclagem. A falta deste serviço dói no bolso de toda a população.

“Com a falta da reciclagem, o material tem que ter um destino, que hoje em dia é o aterro sanitário. Esse aterro tem custos para o município, e isso é revertido para o morador, que é quem paga para enterrar esse material.

Ele deixa de ser uma matéria-prima, que poderia entrar no ciclo de produção e a, aí sim, a ser um lixo”, alerta Ulisses Bianchini.

Prejuízos ambientais 1j284y

As reações indiretas que a falta da reciclagem pode gerar em uma cidade são inúmeras. A degradação do meio ambiente é um dos principais exemplos.

“Se você não tem uma coleta seletiva na cidade, consequentemente toda a matéria-prima que está circulando dentro dos resíduos é descartada.

Então você está forçando o mercado a colocar uma matéria-prima virgem, ou seja, explorando recursos do meio ambiente”, alerta o superintendente de gestão de resíduos da Prefeitura de Florianópolis, Ulisses Bianchini.

A falta de pontos adequados para os moradores depositarem seus resíduos, e os lixões nas cidades são os grandes vilões, conforme avalia o especialista.

“O que a gente observa em quase todos os municípios é que quando não tem muita oferta de destino ambientalmente adequada dos resíduos, acaba aumentando os pontos de descarte e é quando os moradores jogam o lixo em qualquer lugar, em cantinhos, atrás de muros, etc. Isso, em uma chuva, pode causar enchentes, alagamentos”, alerta ele.

Quando os resíduos são descartados em aterros sanitários, o dano ambiental até é menor, ressalta Ulisses Bianchini. “O aterro é licenciado e um ponto de destino final ambientalmente adequado, porque tem centro de controle de chorume e gases”.

No entanto, ao longo dos anos o aterro sanitário gera gases tóxicos, que são subprodutos da decomposição e da eventual queima dos lixos, extremamente nocivos para o meio ambiente, podendo provocar desequilíbrios climáticos, por exemplo.

Raio-x de Florianópolis e as metas até 2030 2q6s3r

  • Mais de 90% dos resíduos gerados em Florianópolis são exportados para aterro sanitário em Biguaçu, a 40 km do transbordo.
  • Hoje 90% das 700 toneladas diárias de lixo recolhido são inutilizadas por não haver separação prévia.
  • A meta para 2030 é desviar do aterro sanitário 90% dos resíduos orgânicos (restos de cozinha, quintal e jardim) e 60% dos recicláveis secos (vidro, metal, plástico, papelão e papel).
  • Hoje a cidade ganha R$ 9,9 milhões ao ano com reciclagem. Com atendimento das metas de lixo zero, os ganhos anuais arão para R$ 55 milhões. Deste valor, R$ 15,7 milhões serão de redução de custos com aterro e R$ 40 milhões só com a reciclagem em si.
Nos próximos anos a Comcap vai ampliar a chamada coleta flex, que começou em junho de 2021. Com equipamentos especiais, o modelo trabalha em quatro frações separadas: recicláveis secos, vidros, orgânicos compostáveis e rejeitos – Foto: Divulgação/ComcapNos próximos anos a Comcap vai ampliar a chamada coleta flex, que começou em junho de 2021. Com equipamentos especiais, o modelo trabalha em quatro frações separadas: recicláveis secos, vidros, orgânicos compostáveis e rejeitos – Foto: Divulgação/Comcap

Política de lixo zero precisa da participação de moradores 1l1cs

A Prefeitura de Florianópolis tem em andamento um planejamento para mudar radicalmente os números de coleta de resíduos nos próximos anos.

“Através de um decreto municipal, a prefeitura assumiu esse compromisso. A meta é que até 2030 o município tem que desviar do aterro sanitário até 90% dos orgânicos e 60% dos recicláveis secos”, resume Ulisses Bianchini.

O engenheiro sanitarista informa que, com este ideal, a grande maioria dos resíduos da Capital pode ser reaproveitada. “A cada 1kg de resíduo que pegamos, 43% é de recicláveis secos e 35% de orgânicos. Os 22% que sobram são de rejeitos, que não temos como aproveitar, então vão continuar indo para o aterro”.

Bianchini ressalta que o papel da prefeitura é dar condições para que a meta seja cumprida, mas nada será possível sem a participação dos moradores.

“O decreto foi emitido pelo poder público, mas o compromisso a por investimentos e por oferecer alternativas para a população. Porque essa meta não é da prefeitura, da secretaria, do prefeito… é dos moradores do município de Florianópolis. Eles têm que participar do processo para que a gente consiga chegar em 2030 com a meta batida.”

“O futuro é o que importa”: como a cidade se prepara para alcançar a meta? 284f3s

O secretário do Meio Ambiente de Florianópolis, Fábio Braga, destaca que o desafio de ter lixo zero na cidade é muito grande, mas garante que a Capital tem tudo para atingir o objetivo.

“O futuro é o que importa. Para atingir a meta de recuperar 60% dos recicláveis e 90% dos orgânicos temos de aumentar cinco vezes a coleta seletiva de secos e 15 vezes a de compostáveis. Esse é o tamanho do desafio para esta década. Para isso, a Comcap, agora Superintendência de Gestão de Resíduos vinculada à Secretaria Municipal do Meio Ambiente, investiu R$ 10 milhões em equipamentos para coleta seletiva nos dois últimos anos. Estamos prontos.”

Falando em dados, em nove anos a reciclagem terá um salto enorme, segundo o planejamento do secretário.

“A estimativa é que, em 2030, a coleta seletiva amplie de 12 mil para 50 mil toneladas ano. Também trabalhamos para que a valorização de orgânicos que hoje é de 4,6 mil toneladas salte para 66 mil toneladas. Se hoje Floripa já ganha R$ 9,9 milhões com a reciclagem, aremos a reinserir no ciclo econômico ou da natureza, por meio da agricultura urbana, valor equivalente a R$ 55 milhões. Sem contar a riqueza intangível de melhorar muito a pegada ecológica dessa cidade linda e frágil que hoje importa 65% da água que consome e exporta 90% dos resíduos que gera”, conclui o secretário.

Para além de 2030: quais os próximos os da reciclagem? 5s2pc

De acordo com o superintendente da gestão de resíduos da Prefeitura de Florianópolis, os próximos os serão os investimentos em tecnologia, implantação de calendário de coletas diferenciadas por dia e o fortalecimento do trabalho de conscientização da população.

“A gente já vem imaginando o que pode vir pela frente, porque hoje estamos desviando 8% e já existe uma demanda no processo de triagem das associações, no processo de compostagem. Vamos ter que entrar com muitos modelos de tecnologia para aumentar a eficiência do processo. Um caminho pode ser fazer com que a população participe ainda mais da separação de resíduos, pois assim ganharíamos produtividade já na coleta.”

Assim como em outras áreas da sociedade, a tecnologia vai ganhar cada vez mais espaço nos processos de reciclagem.

“Vamos ter a necessidade de evoluir no processo tecnológico na área dos orgânicos para que acelere o processo de compostagem. Hoje a gente demora até cinco meses para o resíduo se transformar em um composto”, avalia Ulisses Bianchini.

Um exemplo realista que pode ser previsto são as centrais automatizadas de compostagem, que podem agilizar muito o processo.

“O que conseguimos imaginar é que tenhamos centrais automatizadas de triagem dos resíduos, aumentando a capacidade. Mecanismos criando condições ideais para que o processo de compostagem seja acelerado e transforme os restos alimentares em composto orgânico em um tempo muito menor. Vale ressaltar que essas centrais já utilizam muitas automatizações, como um raio-x por exemplo, onde já identifica quais os tipos de materiais que estão em uma esteira e já faz uma separação mecanizada”.

Florianópolis ainda está longe de ter esta tecnologia implementada, mas com o eventual sucesso da política de reciclagem, tudo isso pode se tornar viável em 10 anos.

“Isso ainda não existe em Florianópolis, mas já é realidade. Em São Paulo há duas centrais automatizadas, onde cada uma processa 250 toneladas por dia. A questão é a situação financeira e de logística, porque coletando 8%, não temos viabilidade financeira para implantar uma unidade dessas, mas assim que ar a desviar 60%, aí sim já há condições. É um processo de automatização que deve chegar depois de 2030”, pontua Ulisses Bianchini.