Em São José, na Grande Florianópolis, não se costuma ver muitos torcedores do Palmeiras – tampouco do Botafogo, à exceção dos mais velhos. Mas enquanto o relógio marcava oito e meia da noite nesta quarta-feira (1), as mesas do inferninho já começavam a ser povoadas, em igual medida, por camisas verdes e camisas pretas, assim como um ou outro penetra interessado no grande confronto da 31ª rodada do Campeonato Brasileiro.

Na disputa, três pontos. Ao Botafogo, três pontos que garantiriam um arranque na liderança frente a um concorrente direto. Ao Palmeiras, três pontos que manteriam a esperança viva.
Para todos os presentes, a tensão pairava no ar. Seria uma baita partida; e quem prestasse atenção no sorriso nervoso dos alvinegros ou na confiança encabulada dos palestrinos sabia disso.
Toda cerveja nas mesas esquentava; todo assunto alheio à peleja acabava.
Pouco depois das nove, alguém anuncia: “o Verdão entra com Endrick!” e, a partir disso, o debate. O garoto não vinha correspondendo às expectativas do torcedor do Palmeiras nem dos observantes do Real Madrid – clube que o menino defenderá a partir de julho de 2024.
Do outro lado, próximo à janela, um senhor trajando o fino esporte – bermuda, chinelo, cabelos brancos e uma camisa oficial do uniforme usado pelo Botafogo na conquista do Brasileirão de 1995 -, exibia o smartphone a quatro ou cinco compatriotas.
“P…, Eduardo titular? Só pode ser gozação com a nossa cara”, disse, para apoio geral dos que ouviram.
O apito inicial marcou o silêncio completo de ao menos vinte homens que observavam em uníssono a pequena televisão pendurada na parede – logo acima do berço de onde saía a cerveja que alguns relutantemente buscavam – levando o devido tempo, sempre de olho na tela, não ligando se o litro amornasse ou não. Havia muito mais em questão naquele momento.
A calmaria foi quebrada logo aos sete minutos, com um chute de Tchê Tchê carimbando o travessão de Weverton. O estardalhaço veio aos 20, com gol do contestado Eduardo – e de novo e de novo, aos 30 e 35, com Tchê Tchê, na lei do ex, e com Júnior Santos.

Três a zero no primeiro tempo.
Nem o mais otimista botafoguense ou o mais pessimista palmeirense conjecturava tamanha sapecada.
No recinto, quase ao fim da primeira etapa, o clima era de deboche, das duas partes, frente ao que por todos era testemunhado.
“Sabia que a gente perderia, mas não contava com essa surra”, disse um palmeirense. “Tava escrito que o ‘parmeiras’ ia ‘parmeirar’”, afirmou outro.
Tudo da boca pra fora.
No abaixar das cortinas do primeiro ato, num chute colocado de Endrick que por pouco não afunda a rede, alguém – e sabe-se lá quem, afirma: “Vamos virar. E o guri vai marcar pelo menos dois”.

Em qualquer outra realidade, essa frase seria motivo de risadas. Mas não para quem acompanha de perto o Campeonato Brasileiro e, mais ainda, a fase recente do Palmeiras.
“É, vamos ver”.
Pois foi visto.
Fazendo tudo sozinho, o guri de 17 anos ou por uma dúzia de marmanjos que o tentaram cercear do contato com a gordinha e colocou por baixo de Lucas Perri, diminuindo o marcador para o Palmeiras.
“Dá a bola em mim, dá a bola em mim”, disse, buscando a protagonista perdida no fundo da rede.

“Tem que cuidar com esse menino”, disse o lado alvinegro.
Silêncio do lado alviverde.
Mais ainda com a expulsão de Adryelson.
O que se desenhou em seguida foi um roteiro hollywoodiano que custou as unhas e cabelos de todos os presentes.
Com alguns litros adentro, ninguém tem mais pudor pra nada.
A máxima veio pelo levantar e esbravejar simultâneo ao levantar e comemorar generalizado em resposta ao pênalti marcado para o Botafogo, em jogada de Tiquinho Soares. O sorriso voltava ao rosto dos botafoguenses.
Há quem diga que um goleiro que nunca foi de pegar pênalti, o fará no momento em que o time mais precisa. E Weverton foi buscar para manter o 3×1 no placar e movimentou o botequim.

“Isso é coisa de time que ganha jogo”.
Eis que na jogada seguinte o menino do Palmeiras novamente é o escopo do contra-ataque, recebendo na entrada da área e colocando no cantinho. Nisso, aumenta a inquietação.
“Será que dá?”
“Tô falando, o jogo é nosso”, disse a mesma voz anônima por alguma mesa do boteco. “E olho no Endrick!”
É aí que o garoto chama novamente a responsabilidade e tira da cartola uma jogada individual para jogar a gordinha no meio da galera. Flaco López, argentino avulso que acabara de entrar, deixa tudo igual.
3 a 3 aos 43. Para todos, estava de bom tamanho. Que partida, até então. Ninguém contava que a mística palmeirense do gol no último lance se realizaria novamente.
Novamente: quem conhece, sabe.
53 minutos, falta na canhota. Raphael Veiga na bola.
“Aí é meio gol”, virou pra mim e pontuou algum coroa.

Gol de Murilo. 4×3 para o Palmeiras. E se houve uma alma alviverde calada dentro daquele boteco mocosado no meio de São José, foi por incredulidade. Mas naquela parte de São José, meu irmão, é que tudo se encontra.
E os palmeirenses dali, na singularidade da própria torcida, ignoraram a lei e a razão com seus gritos e fogos até a hora que o cronista, cansado, decidiu voltar para casa.
Próximos jogos de Palmeiras e Botafogo pelo Brasileirão c2b1t
Agora a três pontos de distância do líder, o Palmeiras enfrenta o Athletico neste sábado (4), em São Paulo, buscando emendar nova vitória.
Por vez, o Botafogo – ainda líder isolado e com uma partida a menos, tem clássico contra o Vasco a ser disputado em São Januário na segunda-feira (6) e enfrenta o Fortaleza em partida adiada da 29ª rodada no dia 23 de novembro.