Seguindo pelo Caminho do Rei, pegue a avenida da Saudade, vire à direita, suba e desça o morro da Lagoa e perceba o vento sacudindo as rendas da avenida das Rendeiras. Siga mais um pouco e viaje no tempo nas histórias dos antigos, das feiticeiras nuas montando cavalos, lá no beco dos Coroas. Siga depois em direção à Joaquina, atualize as gírias no Beco dos Surfistas, surf, paz e amor. Na volta, descanse no bar do Chico, ouvindo e lendo e compartilhando poéticas urbanas, ali no beco dos Poetas. Indo ao Sul, na servidão dos Artistas, descubra nos muros altos pequenos detalhes que provam que a diferença está na arte. No Campeche, voe na imaginação na avenida Pequeno Príncipe. Para terminar, celebre os amigos na rua da Amizade e, por fim, estacione na rua da Alegria. Se preferir, ou precisar, vá mais para o Norte para o beco dos Milionários. Vai que dá sorte?
Não só os mortos, reis e fatos históricos são dignos de dar nome às ruas. Em Florianópolis, logradouros com nomes curiosos são pura poesia urbana, fragmentos de histórias da cidade, de moradores antigos, tradição oral e popular materializada. Alguns refletem até projeto de vida, como a rua da Alegria, no bairro Tapera, outros também, como o beco dos Milionários, em Canasvieiras. Alguns locais são hoje mundialmente conhecidos, como o beco dos Surfistas, hoje uma rua planejada que recebe turistas de todos os cantos. Conheça algumas histórias.
Beco dos Poetas, bairro Lagoa da Conceição
“Eram 16 garçons e um poeta. Na conta, 17 poetas no total”, justifica o escritor e poeta Olsen Jr., propositor do projeto que mudou o nome da travessa K.K., na Lagoa da Conceição, para beco dos Poetas. O beco é transversal à av. das Rendeiras, mais para o final da via.
O terreno onde fica a rua pertencia à família de Olsen Jr. nos anos 1970. Quando ele mudou-se para lá, em 1993, teve a ideia de alterar o nome, um projeto dele e do jornalista Valdir Alves. Os moradores aprovaram com gosto. Na esquina ficam dois restaurantes tradicionais da região. “Nos velhos tempos, ligava para o restaurante do Chico e pedia espumante, eles levavam na porta”, lembra o escritor, que sempre gostou de dizer que mora de frente para o mar e para o bar. “E vale dizer que os garçons são os únicos homens na vida de um homem”, faz questão de acrescentar.
O beco é pacato, com poucas casas e alguns moradores. Lá o poeta escreveu dois livros, e atualmente está reformando a casa. Olsen Jr. deixou o beco dos Poetas há alguns meses, quando mudou-se para Rio Negrinho. Os vizinhos duvidam que ele aguente muito tempo longe. “Lá falta inspiração”, diz Flora Ewerling, 29, moradora há 20 anos.
Beco dos Surfistas, bairro Joaquina
“Quando tem campeonato, é aqui que a galera fica”, diz a pedagoga e, claro, surfista, Bruna Rocha, 29. Ela sempre procurou locais perto do mar para morar. A paulistana veio parar no beco dos Surfistas há um ano, quando aportou em Florianópolis para trabalhar num campeonato de surf na Joaquina. “Quase todo mundo é surfista aqui!”. O namorado com que mora, também a vizinha e quase 80% dos moradores. “Acho que em todas as casas tem pelo menos alguém da família que surfa.”
E é assim no beco dos Surfistas há muito tempo. O nome foi oficializado em 1993, proposta de um morador antigo, Otto Enter Filho. Antes disso a rua já era conhecida como reduto dos apaixonados pelo mar. O empresário Ricardo Funes, 39, é um deles. Morador há 16 anos, ele é dono da fábrica de pranchas que fica na esquina do beco (na outra esquina tem uma loja de artigos de surf). “Quando vim morar aqui era praticamente todo mundo surfista. Tinham poucas casas, a maioria sem muros. Hoje os moradores são mais diversificados”, diz.
O beco dos surfistas também tem moradores ilustres do universo do surf, como Roberto Perdigão, diretor da ASP South America, entidade ligada ao surf, e Flávio Vidigal, famoso fotógrafo do espoerte.
Beco dos Coroas, bairro Barra da Lagoa
A mãe de Marli Maria da Silva, 56, foi a primeira moradora da antigo beco dos Coroas, hoje rua dos Coroas, na Barra da Lagoa. A velha rendeira morreu aos 92 anos. O marido dela, Manoel Rodrigues da Silva, pai de Marli e antigo dono do terreno, também morreu idoso. Daí já se tem uma ideia de onde vem o nome da rua. “Minha mãe fazia renda, rede, mantas”, lembra Marli, atualmente a moradora mais antiga. “O beco ganhou esse apelido porque no ado só moravam aqui os mais antigos da região”, conta Marli.
A rua hoje é moderna, com casas grandes e novas em terrenos murados. Dos coroas restaram os filhos e inquilinos vindos de outros estados do Brasil. O sobrado de Marli persiste, e ela se assunta de tudo que ocorre na região da sacada, como se fazia antigamente. Ela, que tem 56 anos, foi morar no beco há 52.”Quando viemos não tinha luz ou estrada. Era uma casa feita de barro”,conta. “Também tinha muita cobra”. E em seguida emenda um outro caso da infância, da vez que uma cobra, não tem certeza se era a rateira, um dia mamou no seio de sua mãe e o rabo da bicha serviu de chupeta para ela. Coisas que nos contam os antigos, os coroas, dos causos que só ocorrem no interior da Ilha.
Avenida das Renderas , Lagoa da Conceição
A rendeira Delorme Correia, 71, aprendeu a fazer renda de bilros com a mãe, assim como sua irmã, a rendeira Zulma Matias, 64. As duas nunca arredaram os pés do lugar em que nasceram, exatamente o mesmo local onde atualmente vivem e trabalham. As casas, claro, são mais modernas, e na frente cada uma das irmãs tem uma casinha pequenina onde vendem rendas de bilro e filé, e onde também preenchem as tardes com arte ancestral.
Antes a avenida à beira da Lagoa da Conceição chamava-se Retiro da Lagoa. A troca do nome para Rendeiras foi há cerca de 25 anos. Segundo o historiador e pesquisador João Batista Soares, 71, que lança no ano que vem um livro sobre as histórias dos nomes das ruas de Florianópolis, o nome foi uma homenagem às rendeiras que se instalaram na região. Antes das casinhas ao longo da via, elas iam até o centro da cidade vender suas rendas, nas décadas 1940, 1950 e 1960.
Zulma e Delorme mantêm a lojinha há 30 anos. Antigamente ficavam na beira da lagoa, em casinhas vulneráveis feitas de bambu. Atualmente a av. das Rendeiras tem apenas oito pontos oficiais de venda de renda de bilro. “Tinha muito mais. É que a renda está desvalorizada”, lamenta Zulma.
Servidão dos Artistas, bairro Rio Tavares
Localizada no Rio Tavares, Sul da Ilha, a rua chamava-se servidão das Corujas, homenagem às aves, antigas moradoras do local. “Era uma rua onde moravam muitos artistas e por isso foi alterada para servidão dos Artistas. Hoje tem poucos, e muitas casas novas com moradores de outras cidades”, conta uma das moradoras. Numa das esquinas com a rodovia Dr. Antonio Luiz Moura Gonzaga mora um ceramista pouco amistoso com a vizinhança. A contar pelas obras espalhadas pelo jardim da imensa casa, pode-se dizer que é um artista que produz ativamente.
Há também uma artesã que trabalha com tear manual, mora bem no meio da servidão, e um arquiteto criativo que construiu uma casa com design arquitetônico curioso, mesclando elementos pouco usuais em construções, como grandes toras.
A rua é areia e pedra, parece perdida no tempo (as ruas vizinhas praticamente estão todas calçadas). Quem entra na rua a partir da rodovia, tem a sensação de que ela leva a um paraíso, com a visão da Lagoinha Pequena, azul brilhante nos dias de sol, ao fundo, à beira da av. Campeche, outra esquina.
Av. Pequeno Príncipe, Campeche
Apenas um monumento ao longo da extensa avenida que liga a rodovia SC-405 à praia do Campeche indica a razão do nome Pequeno Príncipe. Uma pequena pista de pouso lembra que no começo do século ado o aviador e escritor francês Antoine de Saint-Exupéy (1900 – 1944) fazia escalas no Campeche, quando trabalhava a serviço do serviço postal francês. A principal avenida do bairro recebeu o nome do personagem criado pelo escritor, Pequeno Príncipe, título do livro mais famoso dele.
No bairro existem outras homenagens ao autor, como a pousada Zé Perry – como os nativos o chamavam. “Se Saint-Exupéry de fato esteve ou não no Campeche é outra história”, observa o historiador João batista Soares, em alusão ao livro de João Carlos Mosimann, lançado recentemente e que contesta a história difundida até então.
Caminho do Rei, bairro Canasvieiras
Conta-se que o Caminho do Rei, onde hoje é a avenida Dr. José Bahia Bittencourt, em Canasvieiras, foi aberta por um encarregado do imperador Dom Pedro 1º por volta do ano de 1830. Ele veio com a missão de colocar a primeira pedra da igreja São Francisco de Paula. Diz a história que ele veio de caravela, do Rio de Janeiro, e ancorou em Canasvieiras. Da praia abriu uma picada até a igreja.
O Caminho atualmente tem outro nome, Dr. José Bahia Bittencourt, e Caminho do Rei virou nome de uma servidão na Cachoriera do Bom Jesus. Mas moradores estão tentando reverter.
Como se muda o nome das ruas
A lei número 5.273, de 1998, dispõe sobre a denominação de logradouros públicos de Florianópolis. Para nominar ou trocar o nome de uma via, é preciso que moradores ou a associação de moradores da região elaborem projeto de alteração e a entreguem a algum vereador da Capital. Se o nome for homenagem a alguém, só é válido se for morto. Apresenta-se então a biografia e atestado de óbito e os argumentos da comunidade. Em caso de nome fantasia, os moradores devem apresentar argumentos que justifiquem a nominação. O trâmite leva entre quatro e seis meses.
Alguns ruas com nomes curiosos
Rua do Açougue – Rua Saldanha Marinho (1889)
Rua do Alecrim – Rua Artista Bittencourt (1876)
Rua Bela – Rua Felipe Schmidt
Rua Bento Gonçalves – Rua do Segredo (até 1889)
Rua da Bica – Rua são Martinho, Rua General Bittencourt, Rua da Tronqueira
Rua do Imperador – Rua Tenente Silveira
Rua da Lampreia – Rua Ferreira Lima
Rua da Lapa – Rua Nunes Machado
Rua da Liberdade – fundos da Rua João Pinto (1889)
Morro da Gasosa – Rua Demétrio Ribeiro
Rua das Olarias – Av.mauro Ramos e Demétrio Ribeiro (final da rua)a
Becos
Beco do Cortume – Início da Avenida Mauro ramos (Cabral)
Beco Sujo ou Beco do Quartel – Próximo à ponte do Vinagre, desapareceu com a construção da Av. Hercílio Luz. (Cabral)
Cais Liberdade – Próximo à atual Rua Antonio Luz (?)
LARGO Benjamin Constant – Largo da Princesa
LARGO de Bragança (até 1874) – Praça Pio XII
LARGO da Carioca – Praça Pio XII, Largo Fagundes, largo da Fonte do Ramos
TRAVESSAS
TRAVESSA da João Pinto – Travessa Ratcliff
TRAVESSA (ou rua) do Vitorino (ou Victorino) de Menezes – rua Hoepcke