Quantas vezes você foi vista como louca, estressada e autoritária apenas por dar a sua opinião ou apontamento no mercado de trabalho e até fora dele? Na verdade, esse ‘fenômeno’ também pode ser considerado um tipo de violência de gênero.

Recentemente, uma conversa viralizou nas redes sociais por conter preconceito contra uma mulher. Por mensagem, o recrutador de uma vaga de emprego disse que era “difícil contratar quem tem filhos”, o que gerou grande discussão sobre as dificuldades das mulheres no mercado de trabalho.
Para elas, em geral, a visão é de agressividade, arrogância e até soberba. Já com os homens, a situação muda de cenário. Há quem chame de competência, alta capacidade e até vejam como sinônimo de sucesso.
“Já me deparei com preconceito de gênero e idade” 5f2u6i
Flavia Gamonar é mestra em Mídia e Tecnologia, professora em cursos de pós-graduação de universidades como ESPM e FGV, já foi TEDx Speaker e eleita como uma das Top Voices pela rede social LinkedIn, voltada para a conexão profissional. Mesmo com o currículo extenso, também enfrentou muitos desafios no mercado de trabalho.
“Infelizmente, ao longo da minha carreira, já me deparei com situações de preconceito de gênero e idade no ambiente de trabalho, e até percepções negativas relacionadas à maternidade. É um desafio que muitas mulheres enfrentam”, relembrou.

“Em algumas situações, esse preconceito foi bastante explícito, como em reuniões onde minhas ideias eram menosprezadas ou em que era claramente julgada por minha decisão de focar na minha carreira”, completou Flavia.
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) os salários das mulheres representam, em média, 78% do rendimento masculino, chegando a uma diferença de mais de 20%, mesmo em funções semelhantes.
“O preconceito está ali” y713l
Jéssica Macedo, de 28 anos, é analista de Recursos Humanos e graduanda em psicologia e conta que os cargos de liderança não influenciam na forma como mulheres são tratadas, já que sempre existe a tentativa de diminuir o potencial desse público.
“O preconceito sempre está ali. Quando dizem que a mulher só conseguiu a posição que tem porque dormiu com o chefe, ou por ser bonita, mas nunca pela sua capacidade, mesmo em cargos de liderança. Nunca questiona-se o fato de um homem estar nessas posições de poder”, explicou.
“Em uma empresa que trabalhei, eu não podia contratar mulheres que tinham filhos, não tinha essa preferência. Por mais que fosse uma excelente profissional e estivesse alinhada com a vaga, a questão da maternidade influenciava, o que nunca é questionado aos homens, por exemplo, com quem os filhos vão ficar para que ele trabalhe”, pontuou a recrutadora.
Maternidade no mercado de trabalho 5k1p3w
Um dos questionamentos mais feitos em entrevistas e processos seletivos para empregos é em relação à pretensão de ser mãe — ou se a mulher já tem filhos e com quem eles costumam ficar no dia a dia.
Patrícia Teixeira é jornalista, doutoranda em estudos de mídia, professora universitária e já ocupou cargos de liderança em empresas multinacionais, mas desde sempre precisou “provar” a sua capacidade e potencialidade nas situações no mercado de trabalho, o que só se intensificou com a chegada de sua filha.
“Sempre achei que a maternidade não chegaria para mim, justamente pela consciência de como o mercado é injusto. Com a maternidade, eu me cobro muito e sofro, porque gostaria de ar mais tempo com minha filha, afinal, sei que mesmo com ela e sem rede de apoio, eu ainda trabalho muito mais que homens no meu cargo”, conta.
“Mas sei, principalmente, que não aria para ela o exemplo que quero ar, se fizesse diferente. Sou feliz com a correria do meu trabalho e com ela na minha vida. Então sigo tentando, para que quando chegue a vez dela, o sistema seja menos excludente”, defendeu Patrícia.

“Fui gerente de uma multinacional. Mesmo apresentando melhores resultados que homens no mesmo cargo, fui promovida com um salário menor, o que ocasionou meu pedido de demissão”, lembra.
“O mercado não está preparado para mulheres que se colocam, pois ainda há a imagem da ‘donzela’ que precisa ser salva e o preconceito estrutural que foi endossado por séculos, que nos coloca como subserviente, submissa, resultado de anos de silenciamento”, afirma.
Recorte racial 1it
O recorte racial também é um fator determinante dentro desse tema, já que a desigualdade enfrentada pelas mulheres negras é infinitamente maior.
Segundo números mais recentes do IBGE, em 2019, mulheres negras recebiam em média 44,4% da renda aproximada de homens brancos, taxa que representa menos da metade do valor.
“É um combate diário. Não vejo outra forma de luta que não seja a do conhecimento, tentando alcançar patamares que não foram alcançados pela minha mãe, minha avó e todas que vieram antes. Tento, dentro da minha história, abraçar e alavancar as mulheres ao meu redor, porque muitas não conseguem se enxergar em um espiral de desigualdade, fazendo elas entenderem que podem chegar aonde quiserem, é algo muito difícil, principalmente para quem veio de periferia como eu”, completou a jornalista.
Gradualmente, o cenário socioeconômico muda e as mulheres vão conquistando espaços que já deveriam ser ocupados há tempos, ainda assim, há muito caminho a ser percorrido e várias mudanças precisam ser feitas para ser possível sonhar com um equilíbrio de gênero no mercado de trabalho.