Um grupo de voluntários de Florianópolis se reúne na segunda-feira (17), coincidentemente quando se comemora o Dia de Nossa Senhora do Desterro, para encaminhar novas medidas visando à restauração de três das quatro principais raridades históricas da Catedral Metropolitana.

São historiadores, empresários, pesquisadores, professores e escritores que procuram preservar as joias religiosas e históricas da cidade. O relógio que ornamenta a fachada, dois dos sete sinos e o órgão de tubos importado já têm projetos de recuperação.
Este ano, o Dia de Nossa Senhora do Desterro será marcado pela missa solene no auditório da Arquidiocese, em função de pinturas no interior da catedral, que restringem as visitas. Nossa Senhora do Desterro é a padroeira da Arquidiocese.
Já aprovado pela Prefeitura de Florianópolis, o projeto de dois sinos foi elaborado pelo professor Luiz Nilton de Souza, com aval do IHGSC (Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina). Está orçado em R$ 170 mil e já viabilizada a captação de R$ 80 mil, com incentivos fiscais de empresas catarinenses.
A catedral tem sete sinos, dois deles – incluindo o maior, no meio das duas torres principais – doados pelo Imperador Dom Pedro 2º, em 1872, durante visita oficial à antiga Desterro. Outros dois sinos não funcionam, travados pelo excesso de ferrugem e representam risco de queda.
O segundo projeto prevê a restauração do órgão de tubos da marca Speith, fabricado em Reitberg (Alemanha), por organeiros desde 1848. Sua importação exigiu cuidados especiais e um esquema próprio de segurança. Foram desembarcadas 24 imensas caixas, totalizando mais de 4 toneladas.
Com uma sonoridade pura e notas musicais que preenchem com emoção o imenso vazio da catedral, sofreu várias reformas e está em situação precária. Desde sua inauguração, em 17 de agosto de 1924, precisa de manutenção contínua e afinação de duas vezes por ano.
Conserto do relógio da catedral, danificado pela maresia, aguarda orçamento 22186h
Também em elaboração pelo professor Luiz Nilton de Souza, com respaldo dos voluntários, trata do conserto do relógio importado da Alemanha e instalado na fachada da Catedral Metropolitana em 1897.
Fica situado no alto entre as duas torres principais da igreja. As horas são indicadas por números romanos. Já sofreu várias intervenções quando, apresentando defeitos, deixou de funcionar. Tem sinal sonoro, por um sino forte, que marca as horas e as meias-horas.
Um relógio de fabricação idêntica existe na Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento, em Itajaí, também instalado na fachada, mas com algarismos arábicos. Um relojoeiro paulista, especialista que conhece seu mecanismo, está dando consultoria para recuperar o relógio de Florianópolis. Ele deverá indicar o orçamento.

Sem recursos 2c1523
Problemas técnicos marcaram as décadas de funcionamento do relógio, causados por maresia. Quando era vigário geral da catedral, padre Pedro Koehler, acionou diversos catarinenses. Vários foram dispensados porque não dominavam inteiramente o conserto. Especialistas de São Paulo foram acionados várias vezes, mas o contrato não foi executado por falta de recursos.
Repleta de histórias, escultura sofreu com cupins 2k295q
Outra joia rara está protegida por uma redoma de vidro à esquerda da entrada principal da catedral: a escultura “Fuga do Egito”, de autoria do artista tirolês Ferdinand Demetz.
Entalhada à mão em duas peças de cedro em tamanho natural, recebeu a bênção de introdução em 1902 e maior destaque dentro da catedral em 1908, quando da criação da Arquidiocese.
É de impressionante realismo artístico. Mostra São José a pé, com uma pequena sacola nas costas, segurando as rédeas de um burrinho, que conduz Nossa Senhora com o menino Jesus nos braços.
Segundo alguns autores, a imagem foi destinada para o altar-mor da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Desterro. A história conta ainda que a orelha esquerda do burrinho foi cortada para que a obra coubesse no espaço principal que lhe estava reservado. Pela posição, o corte não seria notado pelos fiéis.

Rabo serrado 3z182d
Outra história refere-se a um aventureiro, que, brigando com o vigário, serrou o rabo do burrinho. Foi executado por um cristão revoltado. O monsenhor ameaçou o aventureiro com excomunhão e o infrator devolveu o rabo do animal. O sinal do implante permanece até hoje.
Outra história refere-se a um aventureiro, que, brigando com o vigário, serrou o rabo do burrinho. Foi executado por um cristão revoltado. O monsenhor ameaçou o aventureiro com excomunhão e o infrator devolveu o rabo do animal. O sinal do implante permanece até hoje.
Fato relevante indica que a escultura, originalmente colorida, sofreu ação de cupins. O monsenhor Frederico Hobold fez consultas e o parecer foi de mergulhar toda a obra num tanque de querosene, o que resultou na imagem escura atual. Matou os cupins, mas também as cores.
O talentoso escultor Ferdinand Demetz era filho de artistas e chegou a integrar a Real Academia de Arte de Munique. Criou várias escolas de arte, foi professor de destacados escultores austríacos e alemães.
Em 1890, construiu a primeira serra elétrica e plaina elétrica de madeira da região. E 10 anos depois, idealizou em Gröden (Val Gardena), sua terra natal, o primeiro cano de água de alta pressão.
Sinos da catedral já foram os maiores da América Latina 15661f
Milhares de católicos e visitantes de diferentes nacionalidades costumam aguardar dois horários para ouvir as maravilhas sonoras dos cinco sinos da catedral. O acontecimento dá-se todos os dias ao meio-dia e às 18h.
Deve-se esta e outras maravilhas ao arcebispo D. Joaquim Domingues de Oliveira, com doutorado em direito civil e eclesiástico depois de quatro anos cursando medicina, que tinha formação europeia e consciência da importância litúrgica dos sinos e dos órgãos de tubos.
De acordo com o historiador, padre José Artulino Besen, o primeiro arcebispo, conhecido como “Quintas Beleza” foi o construtor da ampliação e versão atual da Catedral. Ele destinou toda a herança familiar dos ricos comerciantes em São Paulo para fazer todo o novo projeto.
O sino maior foi doação do Imperador e tem o brasão e dados ali gravados desde 1872. O menor é o mais antigo, com toque manual, datado do século 18.

Ele contratou os cinco sinos posteriores em Bochum (Alemanha), introduzidos e bentos na matriz em 25 de novembro de 1922, dia de Santa Catarina e comemorativo do centenário da Independência. Eram, na época, os maiores da América Latina.
O carrilhão segue até hoje o “Regulamento dos Sinos”, publicado em 1927, atualizado em 1930: um sino avulso tocará a Ave Maria; o menor anunciará por meio minto as missas diárias; o segundo carrilhão indicará as funções religiosas; todos, menos o maior, tocarão ao meio-dia e às 18h, aos domingos e dias santos, às 6h; o carrilhão nas vésperas e dias de solenidades, à meia-noite do dia 31 de dezembro e pela chegada do arcebispo.
Precariedade do órgão de tubos foi denunciada 693v71
Considerada parte fundamental da liturgia em todas as celebrações, a música está presente não apenas nas igrejas católicas, como nos templos protestantes e evangélicos de todo o mundo.
Nas principais e antigas catedrais da Europa, os órgãos de tubos ocupam função de extraordinária relevância na espiritualidade dos fiéis, além de representarem símbolos concretos de momentos históricos vividos pelas instituições religiosas e seus principais construtores.
Os catarinenses, mesmo os não católicos, que visitam, por exemplo, a Notre Dame, de Paris, costumam destacar o impacto emocionante dos sons emitidos por seu esplêndido órgão de 8.000 tubos, um dos maiores e mais famosos do mundo. A aquisição de um novo órgão de tubos para instalação na catedral foi obra de D. Joaquim, depois de contatos com a empresa Speith Orgelbau, com sede em Reitberg, Alemanha.
A inauguração ocorreu em 17 de agosto de 1924 com as bênçãos do padre Jaime de Barros Câmara, filho de São José, que se tornaria um dos principais cardeais de Santa Catarina. O órgão sofreu importante reforma em 1948, com o acréscimo de uma Super-oitava no Primeiro Manual e um someiro com 72 flautas agudas.
Uma grande alteração registrou-se em 1995, sob a responsabilidade do organeiro José Carlos Rigatto, de São Paulo. Ali ocorreram a troca do sistema pneumático por tração elétrica; a consola (mesa de comando com teclado e registros) original foi eletrificada; a restauradas as flautas e substituídas 26 flautas de metal; foi produzida uma nova consola com dois teclados contendo 61 teclas e uma pedaleira com 30 teclas; e também ocorreu a ampliação os registros da pedaleira com mais três flautas em cada registro.

Potência do som 2j2f6a
Com o aumento da potência do som, variedade maior de recursos musicais e fina sonoridade, o novo órgão foi inaugurado dia 16 de junho de 1995, com exibição do Coral Santa Cecília, fundado em 1950, e regido pelo padre e músico Ney Brasil Pereira.
Há um documentário assinado pelos acadêmicos de História Carlos Gesser, Eduardo Dutra e Ryan Martins, intitulado “Um Réquiem ao Speith”, em que denunciam a precariedade do órgão de tubos.
O colunista Urbano Salles registrou o relato do músico Lucas Zunino: “Sou organista voluntário há sete anos e acompanho a decadência do órgão. Ele continua funcionando, mas a parte de madeira está comprometida com cupim. Há problemas nos foles e tubos desafinados. Precisamos salvar este patrimônio histórico de Santa Catarina”.
André Carpes, também organista, desabafa: “O órgão Speith está como se fosse um carro com buraco no radiador”.