Paulo da Costa Ramos: a vida brilhante e afortunada de um cronista sem fronteiras 114v1f

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Jornalista e manezinho, Ramos fala de música, de cinema, de bons restaurantes, de sua paixão pelo Flamengo, de perrengues no exterior, de literatura e de uma Florianópolis que não existe mais

Autor de cerca de 9 mil crônicas, o jornalista Paulo da Costa Ramos, 82 anos, é uma espécie de Rubem Braga da província, sem demérito para a condição periférica de Florianópolis em relação ao Rio de Janeiro, a metrópole que todos queriam conhecer nos tempos em que era capital da República.

Jornalista e manezinho, Paulo da Costa Ramos é autor de cerca de 9 mil crônicas – Foto: Leo Munhoz/NDJornalista e manezinho, Paulo da Costa Ramos é autor de cerca de 9 mil crônicas – Foto: Leo Munhoz/ND

No fundo, não havia cronista que não invejasse o prestígio do “velho Braga”, que morava numa cobertura em Ipanema, vivia de seus textos e era popular como poucos de seus pares.

E olha que havia concorrentes de peso, como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond de Andrade, todos circulando pelas mesmas calçadas e corredores da Cidade Maravilhosa.

Como muitos manezinhos, PCR, como é conhecido, poderia ter se aventurado fora do Estado, mas preferiu ficar na cidade natal e conhecer o Brasil e o mundo como turista, forasteiro que vai e sempre volta à origem.

Na semana ada, o jornalista lançou seu segundo livro de crônicas, “Outros tempos” (Neovox, 232 pág.), 52 anos após a estreia com “O jóquei da paz”, que lhe rendeu o Prêmio Jerônimo Coelho de Jornalismo.

Desta vez, como o nome sugere, os textos foram selecionados de forma a dar um panorama de sua produção desde o início, na década de 1950, ainda como aluno do Colégio Catarinense.

Irmão de Sérgio da Costa Ramos, outro mestre da crônica, PCR fala de viagens (foi dono de uma agência que levou catarinenses a países de todos os continentes, a quem acompanhava), de música (uma grande paixão), de futebol (como fanático torcedor do Flamengo), de cinema, dos bons restaurantes que frequentou, de perrengues no exterior, de jornalismo e literatura – e de uma Florianópolis que não existe mais.

Num dos textos mais saborosos do livro, conta como foi parar nos funerais de Maria Callas, a grande diva do canto lírico, em Paris, onde topou com ninguém menos que o primeiro-ministro francês François Mitterrand, Grace de Mônaco e o ator Alain Delon. Isso não é para qualquer um!

Ao jornal ND, Paulo cita os amigos que frequentou e recebeu – casos de Fernando Sabino (que foi padrinho de casamento de sua filha Daniela com o publicitário Fábio Veiga), Otto Lara Resende, os jornalistas Carlos Castello Branco, Jânio de Freitas (com quem conversa até hoje), Moacir Werneck de Castro e Marcos Sá Corrêa, o poeta Afonso Romano de Sant’Ana e sua mulher Marina Colassanti.

Para cultivar essas amizades, ia duas vezes por ano ao Rio, em julho e dezembro, num voo de sete horas pela TAC (Transportes Aéreos Catarinenses), com escalas em Itajaí, ville, Paranaguá e Santos.

Uma vez, voltou com um navio da Cia. Hoepcke – quase uma semana no mar, por causa das inúmeras paradas, mas com direito a um aconchegante piano-bar.

Das praias do Continente ao time de governo de Celso Ramos 1w6f46

Sempre bem-humorado, Paulo da Costa Ramos poderia falar horas sem parar sobre suas aventuras, as experiências como turista e como assessor dos governadores Celso Ramos, Antônio Carlos Konder Reis e Esperidião Amin. Nem sempre ocupava uma pasta específica, mas respondia pela área de comunicação, como jornalista que era.

Da esquerda para a direita: o vice-presidente João Goulart, o presidente Jânio Quadros e Paulo da Costa Ramos no Palácio Cruz e Souza em foto de 1961 – Foto: Arquivo pessoalDa esquerda para a direita: o vice-presidente João Goulart, o presidente Jânio Quadros e Paulo da Costa Ramos no Palácio Cruz e Souza em foto de 1961 – Foto: Arquivo pessoal

Com Jorge Konder Bornhausen, então ministro da Educação do governo Fernando Collor de Mello, chegou a sentar duas vezes no escritório de Roberto Marinho, poderoso presidente das organizações Globo.

Antes, fora secretário sem pasta de Celso Ramos (a quem dedica 18 páginas o livro, em textos escritos entre 1961 e 1996), o governador que mudou a cara do Estado com obras de infraestrutura, escolas e hospitais, na primeira metade dos anos de 1960.

“Celso Ramos foi quem construiu a avenida Beira-Mar Norte até a praça que leva o seu nome, em 1963”, conta o jornalista. Até então, os quintais das casas das ruas Frei Caneca (onde sua família morava) e Bocaiúva davam para o mar. Nos anos de 1950, e também depois disso, ir para Canasvieiras forçava os viajantes a fazerem um ziguezague pela estrada velha. Ao chegar ao destino, não havia luz elétrica, ruas calçadas e água encanada.

O consolo dos jovens da época eram as escapadas até as praias de Coqueiros, onde ficavam os balneários mais disputados e onde as beldades da cidade se bronzeavam.

“Íamos de ônibus, atravessando a ponte Hercílio Luz, que ainda tinha piso de madeira”, recorda.

Os tempos são outros, e o genro Fábio Veiga ressalta que PCR e a mulher Arlete reúnem a família há mais de 40 anos, todos os sábados, em seu apartamento na rua Almirante Lamego, para o almoço.

Ele já era o pai e o avô divertido que todos apreciavam. Com o livro recém-lançado, virou ídolo dos filhos e netos. A explicação para isso vem das descobertas que a obra proporcionou a todos eles.

Os textos que aumentaram a iração da neta pelo avô 5b615v

O livro “Outros tempos” nasceu nas reuniões das confrarias das quais Paulo da Costa Ramos participa e que acontecem no Empório Bocaiúva e no Mercado Público de Florianópolis, todas as semanas.

No Mercado, comparecem os jornalistas Marcílio Medeiros Filho, Luiz Henrique Tancredo e Moacir Pereira, e figuras conhecidas na cidade como Tertuliano de Brito, Volney Carlin, Paulo Pereira Oliveira e Saul Linhares.

Fábio Veiga assumiu a causa do livro quando os amigos do sogro cobraram a publicação das crônicas dispersas em jornais dos últimos 60 anos.

Ao lado do genro Fábio Veiga, jornalista autografa livro “Outros Tempos”, que reúne crônicas e textos publicados por ele ao longo de décadas – Foto: Arquivo pessoalAo lado do genro Fábio Veiga, jornalista autografa livro “Outros Tempos”, que reúne crônicas e textos publicados por ele ao longo de décadas – Foto: Arquivo pessoal

“Ele tem uma mente encantadora e lembra de fatos e datas como ninguém”, diz o genro, que envolveu a filha Sofia Ramos Veiga no trabalho.

Paulo hesitou um pouco, mas Fábio e Sofia se enfurnaram na Biblioteca Pública do Estado, procuraram os jornais da Hemeroteca Digital Catarinense e consultaram a vasta coleção do jornal “O Estado”, onde o cronista deixou parte de seu legado. O “mais antigo”, como o periódico era conhecido, fez uma campanha publicitária no ano eleitoral de 1988, quando PCR voltou a frequentar suas páginas, com outdoors dizendo: “Nestas eleições, vote PCR”.

“Minha filha se deliciou com os textos, fotografou alguns, transcreveu outros, e a cada dia voltava mais impressionada com o que havia encontrado”, conta Fábio.

Sofia fez o primeiro filtro, e seu pai, o segundo, após uma pré-seleção de quase 400 crônicas. Além de entender um outro tempo – quando os grandes empreendimentos imobiliários na avenida Beira-Mar Norte estavam sendo lançados –, a neta ou a conhecer cada vez mais o avô, extasiada com os textos encontrados.

Ele começou a escrever em “O Estado”, jornal dirigido pelo pai Rubens de Arruda Ramos, em 1952, aos 11 anos, fazendo uma resenha de esporte para agradar um rigoroso professor de latim do Colégio Catarinense apaixonado pelo Colegial, o time de futebol da escola.

Por falar em futebol, Paulo tem na memória as escalações do Flamengo dos anos 50 e 60 e de quando foi ao Maracanã e encontrou Barbosa, o goleiro da seleção brasileira derrotada em 1950, trabalhando como ascensorista de elevador do estádio.

Depois de outro fracasso em 1954, quando o Brasil pelo eliminado pela Hungria de Puskas, ninguém mais acreditava no time, e o título de campeão em 1958, na Suécia, foi decidido quando Paulo estava num cinema da cidade.

Depois da genialidade e das estrepolias de Pelé e Garricha, o povo – com ele junto – foi para as ruas comemorar o primeiro título mundial do país.

Para ouvir o ídolo Frank Sinatra a todo volume 2y6k26

Paulo da Costa Ramos sempre leu muito e acompanhou de perto principais acontecimentos do Estado, do país e do mundo. Diz que nos anos de 1960 se fazia uma “política feroz” e que o jornalismo era abertamente partidário.

Ele entrevistou Leonel Brizola para o “Jornal da Semana”, um marco da imprensa catarinense, e viu seu pai e o tio Jaime de Arruda Ramos, irmãos que se estimavam muito, brigando nas páginas de “O Estado” e “A Gazeta” em defesa de PSD e UDN, respectivamente.

Seu irmão Sérgio foi preso pelos militares porque escreveu uma crônica chamada “Arthur [da Costa e Silva] e eu na cidade dos mortos”, que não foi entendida pelos assessores do ex-presidente da República.

irador de Winston Churchill, das big bands, de Jorge Amado, de Roberto Carlos e dos filmes de David Lean (“Doutor Jivago”, “As pontes do rio Kway” e “A filha de Ryan”), Paulo da Costa Ramos já levou a família inteira para vários destinos no mundo e visitou países não incluídos no roteiro da maioria dos turistas, como Cingapura e Vietnã.

Também é um anfitrião de primeira, a ver pelos convidados ilustres que recebe, em jantares que sempre terminam com Frank Sinatra e sua consagrada “New York, New York” tocando a todo volume.

Seu amor pela música e pelo cinema acabaram influenciando o gosto dos netos – Sofia, Vitor, Olivia e Bruno –, que o visitam semanalmente nos almoços de sábado e aprenderam a entender suas preferências.

Por causa das crônicas, eles se tornaram cada vez mais seus fãs pelas descobertas proporcionadas pelo estilo inteligente e irônico que derramou nas velhas páginas de jornais impressos.