O ato de benzer é uma prática religiosa realizada por pessoas conhecidas como benzedeiras ou rezadeiras. A tradição milenar é compartilhada em várias culturas, mas tem se dissipado com o ar dos anos. Recentemente, um projeto de lei que reconhece as benzedeiras como Patrimônio Imaterial e Cultura de Santa Catarina foi aprovado pelos deputados na Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina).

Em cidades como Luiz Alves, no Vale do Itajaí, a prática ainda segue presente com mulheres como Amália Pauli, de 81 anos, que abre as portas de sua casa para amparar quem precisa por meio do ritual religioso.
Benzedeira e a compaixão com o próximo 5z5y5w
Moradora de Luiz Alves, Amália começou a benzer por volta dos 30 anos, quando o padre com o qual trabalhava, no Paraná, a ensinou a prática. “Ele me entregou isso e disse: ‘tu nunca faz isso para o mal, sempre faça para o bem’. Assim eu estou continuando, ajudando as pessoas que me procuram”, contou.
A benzedeira relata que ainda é muito procurada, principalmente por pais com filhos pequenos que têm dificuldade para dormir. “A primeira noite eu já não dou garantia, porque é tudo feito em novena. Eu faço nove novenas para cada pessoa [que a procura]”.
Amália explicou que uma novena é a reza com um rosário inteiro, em que ela faz os pedidos em oração para a Nossa Senhora ou outros santos.
Ela conta que apesar de haver poucas pessoas que ainda fazem o benzimento, a procura por ela ainda é constante, até mesmo por moradores de outras cidades. “A pessoa tem que ter o dom para benzer”, enfatizou.
Amália considera o benzimento um trabalho importante para ela, que segue à risca a tradição, não cobrando por isso e pedindo para que as pessoas atendidas não a agradeçam pela ação realizada.
O desaparecimento de benzedeiras também foi abordado por Amália, que disse ter notado uma ausência cada vez maior dessas figuras. “Muitas pessoas não querem mais e isso vai acabando. Os benzedeiros velhos já estão todos partindo dessa vida e a geração nova está enfraquecendo nessa parte”.

Antigamente, segundo Amália, os médicos e até mesmo farmacêuticos costumavam indicar o trabalho das benzedeiras para determinados pacientes, mantendo um elo com a fé e o lado religioso.
“Aqui já veio até enfermeiras de Blumenau pedir benzimento e até perguntaram sobre como funcionava a prática religiosa”, contou.
Com cinco décadas de trabalho voltados à fé e em ajudar as pessoas, Amália sempre está com as portas de casa abertas para receber quem a procura, seja para lidar com questões do sono ou até mesmo se livrar das “marés de azar”.
Tradição religiosa é presente em muitas culturas 201912
As benzedeiras, também conhecidas como rezadeiras em algumas regiões do país, são vistas como a representação do amor ao próximo, já que se mantêm dispostas a atender as pessoas sem ganhar nada material em troca.
Além de mulheres, alguns homens também dominam a prática, que consiste em rezas e súplicas para restaurar o equilíbrio físico, material e espiritual das pessoas que os procuram.

A maioria das benzedeiras fazem parte do catolicismo popular, que é representado pelas romarias, ofícios e rezas em casas, peregrinações e devoções, entre outras atividades religiosas.
A prática milenar é de origem da cultura indígena e africana, surgindo no país no período de colonização, pois os povos conheciam as funções das ervas e todos seus simbolismos. A prática, que ficou conhecida principalmente no catolicismo popular, é ada de geração para geração.

Conforme João Paulo Bensen, professor formado em história e em ciência da religião, nas sociedades primitivas, os benzimentos surgiram como parte de rituais de cura e proteção, que eram realizados por líderes espirituais, como xamãs ou curandeiros, que acreditavam em forças sobrenaturais para proteger a comunidade contra doenças, perigos e maus espíritos.
“Esses gestos de cura, muitas vezes, incluíam palavras sagradas, sopros e o uso de ervas medicinais. Essas práticas são encontradas em todos os continentes do planeta, e nas mais diversas religiões”.
O professor explica ainda que, com o ar dos anos, a forma de benzer se modificou. Antigamente, apenas o líder espiritual, como um padre ou um xamã, podiam fazer a benzedura.
“Hoje encontramos pessoas ‘comuns’ que tem o a forma de benzer e realizam benzimentos, seja por meio de aprendizado com alguma pessoa próxima que benzia, ou por busca em livros e conhecimento próprio”, disse.
João detalha que outra mudança percebida é que antes, além de ser realizado pelo líder religioso daquele povo e religião específica, a prática seguia certos rituais padronizados daquela religião.

“Hoje, especificamente no Brasil, em que existe um sincretismo religioso muito forte entre europeus cristãos, indígenas xamânicos e religiões afro-brasileira, gerou um novo modelo de benzimento”.
De acordo com o professor, com o avanço da ciência e medicina, a crença no benzimento acabou enfraquecendo, sendo percebido uma baixa procura em cidades maiores, prevalecendo apenas em municípios menores, do interior.
“Ainda encontramos essas práticas de benzimento forte em comunidades rurais e de difícil o à medicina e ciência. Outro fator também que causa a diminuição é que a grande maioria dos benzedores já são pessoas idosas, que não deixaram sucessores e que, com a sua morte, vai sumindo cada vez mais essa cultura”.
Em suas palavras, o professor enfatizou que a prática do benzimento transcende as barreiras de religião, sendo tanto um ato de fé quanto uma manifestação cultural.
“Sua simplicidade e significado profundo ajudam a preencher lacunas que muitas vezes não são alcançadas pelas práticas religiosas formais ou pela medicina tradicional. O benzimento é, portanto, mais do que um rito espiritual, é um símbolo da busca humana por sentido, proteção e comunidade”.