As diferentes fases da imprensa em Florianópolis 3q1k2x

O que era uma atividade quase artesanal, baseada no processo de composição tipográfica por linotipia, migrou para o sistema off-set e desembocou no modelo digital 4et26

No último meio século, a imprensa de Florianópolis ou por uma transformação radical. O que era uma atividade quase artesanal, baseada no processo de composição tipográfica por linotipia, migrou para o sistema off-set, que vigorou por cerca de duas décadas, e desembocou no modelo digital que tomou conta do segmento a partir da década de 1990.

Imprensa evoluiu do linotipo ao modelo digital – Foto: Leo Munhoz/NDImprensa evoluiu do linotipo ao modelo digital – Foto: Leo Munhoz/ND

Da mesma forma, o jornalismo de viés partidário, com veículos impressos e de radiofonia vinculados a correntes políticas predominantes no Estado, deu lugar a um enfoque mais profissional, ainda que não totalmente independente.

Falando dessa transição e do período que a antecedeu, jornalistas experientes da Capital citam fatos e nomes que ficaram na história e que serviram de baliza para as novas gerações de profissionais do ramo.

Figuras como Barreiros Filho, Gustavo Neves, Altino Flores, Adolfo Ziguelli, Darci Lopes e Alírio Bossle são desconhecidos pelos novos repórteres e leitores, mas deixaram uma grande contribuição pela atuação em periódicos, emissoras de rádio e, em alguns casos, também na televisão, que estreou em 1969 na cidade. Bem antes disso, é imprescindível citar Crispim Mira, Gustavo de Lacerda (que atuou mais fora do Estado) e, mais remotamente, o decano da imprensa catarinense, Jerônimo Coelho, que criou o primeiro veículo impresso no Estado, “O Catharinense”, em 1831.

“A imprensa de Florianópolis tornou-se adulta a partir de meados da década de 1960”, diz Luiz Henrique Tancredo, nome de destaque no jornalismo estadual dos anos 70/80. “Até então, o jornalismo local vivia atrelado a correntes político-partidárias. Quando se afastava um pouco desse viés, praticava uma espécie de jornalismo romântico. O grande salto teve início por volta de 1965”.

O jornalista Laudelino José Sardá destaca a qualidade dos textos e os conteúdos inéditos como marcas da atividade no período em que foi editor-chefe de “O Estado”, nos anos de 1970 e 1980. “Na época, o jornalismo impresso catarinense teve importância equivalente ao jornalismo nacional”. afirma.

Equipes eram deslocadas para todo o Estado para produzir reportagens especiais e profissionais que atuavam no chamado “mais antigo” (o OE foi fundado em 1915) se tornaram correspondentes de veículos como o “Jornal do Brasil”, “O Estado de S.Paulo” e “O Globo”. “Santa Catarina é um celeiro de bons profissionais”, disse uma vez Juarez Bahia, editor do “JB”.

Não por acaso, “O Estado” chegou a ter mil s em Chapecó, outros mil em Tubarão e 600 em Nova Trento, pequena cidade no Vale do Tijucas. As sucursais formavam uma rede estadual na qual militavam os principais jornalistas de cada região. Era o tempo do telex, das radiofotos e dos laboratórios próprios que revelavam e ampliavam imagens feitas a partir de filmes fotográficos.

Uma das transformações mais marcantes da imprensa, incluindo a de Florianópolis, tem apelo sensorial – Foto: Leo Munhoz/NDUma das transformações mais marcantes da imprensa, incluindo a de Florianópolis, tem apelo sensorial – Foto: Leo Munhoz/ND

A difícil transição para o digital 2y1p6q

Por incrível que pareça, uma das transformações mais marcantes do jornalismo, incluindo o de Florianópolis, tem apelo sensorial. Além de eliminar o odor de tinta e de chumbo da linotipo, a mudança para o digital reduziu o barulho – de saudosa memória para os veteranos – que as máquinas de datilografia produziam nas redações. Os computadores eram silenciosos demais para quem estava habituado ao toc-toc das Remington onde as reportagens eram escritas.

“Os primeiros meses foram muito difíceis para redatores, digitadores e diagramadores”, conta Moacir Pereira, colunista com larga experiência que ou por diferentes fases do jornalismo na Capital. “Os programas de software apresentavam problemas e tornavam as tarefas anteriores, ágeis e fáceis, mais longas e complicadas. Terminada a fase de adaptação, ninguém mais se imaginava retornando à datilografia, com correções manuais e textos que precisavam ser reescritos”.

Para as gerações mais rodadas, a transição para o meio digital foi um baque, não apenas pela necessidade de adaptação a novas ferramentas, mas porque implicou em abrir mão, muitas vezes, da apuração rigorosa da notícia. “Num primeiro momento, a internet empolgou por facilitar a busca e checagem de dados, fatos e informações”, afirma Moacir Pereira. “Mas depois estimulou o chamado o jornalismo declaratório, que se escorava no telefone e nas redes sociais”. A presença dos repórteres e comentaristas nos acontecimentos ou a ser eventual, em vez de obrigatório.

Luiz Henrique Tancredo pegou a fase em que também os jornalistas se informavam pelo rádio e no dia seguinte liam os jornais do Rio de Janeiro e São Paulo pela profundidade que conferiam às notícias que chegavam antes, e quase sempre de maneira sucinta, pelo meio radiofônico. Com a televisão, alguns hábitos mudaram, mas de modo geral o jornalismo empobreceu, segundo sua avaliação.

“Hoje, raramente as matérias são elaboradas através de contatos presenciais, cara a cara, olho no olho, nos quais uma resposta pode provocar novas perguntas, enriquecendo o diálogo jornalista-fonte e, em consequência, os textos”, diz ele. “As entrevistas ocorrem através de WhatsApp e outras ferramentas virtuais, com o que, no mais das vezes, perdem a substância que poderiam receber”.

O rádio foi outro veículo que teve papel fundamental na comunicação em Florianópolis – Foto: Carlos Júnior/Divulgação NDO rádio foi outro veículo que teve papel fundamental na comunicação em Florianópolis – Foto: Carlos Júnior/Divulgação ND

O rádio como palanque político 5v4o6e

O rádio foi outro veículo que teve papel fundamental na comunicação em Florianópolis. A Guarujá foi a primeira a surgir na cidade, em 1943, seguida pela Diário da Manhã, o que estabeleceu uma concorrência que ia da audiência às escaramuças políticas, porque a primeira era vinculada ao grupo de ex-governador Aderbal Ramos da Silva, do PSD (Partido Social Democrático), e a outra defendia as hostes da UDN (União Democrática Nacional), onde militavam os políticos das famílias Konder e Bornhausen.

Moacir Pereira lembra de jornalistas vinculados ao PSD, como Rubens de Arruda Ramos a Barreiros Filho, e daqueles que defendiam as ideias da UDN, casos de Jaime de Arruda Ramos e Altino Flores. “Como liderança corporativa, tínhamos Martinho Callado Júnior, fundador do Sindicato dos Jornalistas, e Alírio Bossle, criador da Casa do Jornalista”, completa Moacir.

Com o bipartidarismo, durante o regime militar, um programa que fez história foi o “Vanguarda”, dirigido, produzido e apresentado por Adolfo Ziguelli, que veio de Joaçaba com o irmão Walter Ziguelli para fazer um jornalismo partidário no programa “A Marcha dos Acontecimentos”, porta-voz da UDN.

Essa disputa se estendia aos veículos impressos, onde escreviam os irmãos Rubens e Jaime de Arruda Ramos, em “O Estado” e “A Gazeta”, respectivamente. “Era um debate de ideias, no qual as opiniões divergentes eram expostas com firmeza e paixão, mas sempre obedecendo os princípios éticos do respeito e da elegância próprios dos irmãos que, embora adversários políticos, se queriam muito bem”, conta Luiz Henrique Tancredo.

O rádio viveu o auge a partir da década de 1940 e ditava a moda, criava ídolos, testemunhava a história, mesclando radionovelas e programas de auditório com a cobertura diária do que acontecia nas ruas e nos gabinetes.

Ouvintes de todo o Brasil se acostumaram a acompanhar a rádio Nacional, do Rio de Janeiro, e também outras emissoras cariocas e paulistas, para se inteirar do que acontecia no Brasil e no mundo. Em Santa Catarina, as pioneiras foram a rádio Clube de Blumenau e a Difusora de ville, mas a Capital acordou para a importância desse veículo e, além das citadas Guarujá e Diário da Manhã, teve as rádios Anita Garibaldi e Santa Catarina como destaques e frequência que abrigaram grandes profissionais do ramo.

Sempre com o risco de omitir nomes, pelas rádios da Capital aram figuras importantes como Acy Cabral Teive, Francisco Mascarenhas, Osvaldo Rubim, Dib Cherem, Adolfo Ziguelli, Antunes Severo, Cyro Barreto, José Valério Medeiros, Roberto Alves, Oscar Berendt Neto, Alfredo Silva, Gustavo Neves Filho, Mozart Régis (o comediante Pituca), Edgard Bonassis, Aldo Silva, Darci Costa, Carminatti Júnior, Aibil Barreto, José Nazareno Coelho, Celso Freitas, Mário Ignácio Coelho, Luiz Osnildo Martinelli, Souza Miranda, João Ari Dutra, Dakir Polidoro, Walter Souza, Fernando Linhares da Silva e Osmar Teixeira, além do sempre lembrado Cláudio Alvim Barbosa, o Zininho, autor do “Rancho de amor à Ilha”, que virou o hino de Florianópolis.

Jornais que tinham circulação estadual 5i4z3u

A imprensa escrita teve momentos ímpares em Florianópolis desde o século 19, depois que Jerônimo Coelho criou “O Catharinense”. Quem atuava nos veículos impressos eram profissionais liberais, escritores, poetas, professores – enfim, pessoas que tinham instrução, num meio de poucos formados além do ensino básico. Entre as figuras relevantes da cultura que divulgavam ideias, defendiam ideais e publicavam a própria produção aparece João da Cruz e Sousa, com o semanário “Colombo” (em parceria com Virgílio Várzea e Santos Lostada) e o jornal ilustrado “O Moleque”.

Floripa 350 mostrou como a tecnologia mudou a imprensa e a comunicação em Florianópolis – Foto: Reprodução/NDTV RecordTVFloripa 350 mostrou como a tecnologia mudou a imprensa e a comunicação em Florianópolis – Foto: Reprodução/NDTV RecordTV

Na primeira metade do século 20, um dos jornais mais influentes foi o “Republica”, órgão do Partido Republicano Catarinense, que circulou, ainda que de forma intermitente, entre 1889 e 1937. O periódico em papel de mais longa duração foi “O Estado”, fundado em 1915 e que atravessou o século, fechando as portas em 2008. Foi ali que militaram nomes de ponta do jornalismo impresso na Capital. Em 1986, a RBS (Rede Brasil Sul) implantou o “Diário Catarinense”, o primeiro do país com redação totalmente informatizada e que, a exemplo de “O Estado”, tinha circulação em todas as regiões, chegando aos leitores dos municípios que fazem fronteira com a Argentina.

Os profissionais mais veteranos viveram um tempo em que as boas e as más notícias da cidade e do Estado estavam estampadas nas páginas dos jornais impressos. Eles precisaram enfrentar o mau humor da censura, durante o regime militar, e mantêm na memória as grandes coberturas – a medonha enchente de Tubarão, em 1974, as cheias do Vale do Itajaí, em 1983 e 1984, e a queda do avião da Transbrasil, em 1980, para ficar nos exemplos mais dramáticos.

A atividade mudou de feição, as universidades começaram a formar novos profissionais nos cursos de Jornalismo e, com a popularização da televisão, o rádio se tornou um nicho, focando mais na programação musical do que no noticiário. Nas últimas décadas, confrontados com o jornalismo online, os veículos impressos perderam circulação, embora ainda atraiam uma parcela significativa de leitores em Florianópolis e na região.

O governador que não censurava, mas protegia os amigos 4h213s

Um dos episódios mais fortes da carreira profissional de Moacir Pereira ocorreu nas enchentes de 1983 no Vale do Itajaí, quando ele, então na TV Catarinense, foi transformado em âncora e permaneceu durante quatro dias em transmissão direta (15 a 16 horas diárias), nos estúdios, ligado em correspondentes e radioamadores que prestaram um serviço histórico porque eram os únicos que estavam no local da tragédia e testemunham os dramas das famílias atingidas. Ele também fez parte da equipe do “Jornal de Santa Catarina”, em Blumenau, então comandado pelo jornalista Luiz Antônio Soares, cujo trabalho nas enchentes rendeu um Prêmio Esso regional ao veículo.

Laudelino Sardá diz que, apesar dos vínculos político-partidários dos veículos, o dono de “O Estado”, o ex-governador Aderbal Ramos da Silva, raramente intervinha para impedir a publicação de uma notícia. Certa vez, o editor Sérgio Lopes chegou à redação dizendo que tinha uma “bomba”: o presidente da Assembleia Legislativa nomeara cerca de 120 pessoas, entre parentes, filhos de amigos e de deputados, para cargos comissionados criados no Legislativo. Sardá bancou a matéria, que saiu no dia seguinte com manchete de capa, sem que o proprietário reagisse. A única coisa a que Aderbal se opunha era colocar seus amigos em maus lençóis. Certa vez, ele proibiu a publicação de uma notícia sobre um amigo que colocara uma lancha a pique com quatro mulheres a bordo. Mesmo sabendo que seria “furado” pelos concorrentes, ele cesurou a matéria.

Luiz Henrique Tancredo tem pelo menos duas boas histórias para contar. Já no final da vida, Aderbal Ramos da Silva costumava se deslocar até a sede do jornal no final da tarde para saber, sem sair de seu carro, quais seriam as notícias da edição seguinte. Tancredo era quase sempre quem conversava com o dono do jornal, o que rendia comentários irônicos de colegas, segundo os quais o “pauteiro” (o próprio Aderbal) havia chegado para vetar ou recomendar determinadas matérias.

“Registro, com ênfase, que em momento algum ele interferiu nas edições do jornal”, afirma o jornalista. “O objetivo de suas visitas era inteirar-se dos principais fatos do dia, principalmente os políticos. Como nem sempre havia novidades de destaque, e sabendo de sua memória extraordinária, eu solicitava que ele relatasse assuntos do ado. Essas conversas me foram de grande utilidade quando escrevi a biografia de Aderbal, no final dos anos 1990”.

Outro episódio ocorreu logo no início da militância de Tancredo no jornalismo, em 1965, a convite do presidente do jornal “O Estado”, José Matusalém Comelli. Sua primeira tarefa era cobrir, como repórter, as sessões da Assembleia Legislativa. No encerramento dos trabalhos de um período legislativo, um deputado chegou-se a ele e introduziu um pequeno envelope num dos bolsos de seu paletó. Ao abri-lo, verificou que ali estavam diversas cédulas do dinheiro da época. “Chocado, de pronto, tratei de devolvê-las e fui comunicar o fato ao presidente da Casa, o correto Lecian Slovinski”, conta o jornalista. “Registro que um colega me disse que eu fiz bobagem, porque aquilo, segundo ele, era prática comum da parte de alguns parlamentares. Bobagem ou não, segui o que determinava meu caráter”.

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