O acervo de jornais impressos da Biblioteca Pública de Santa Catarina se originou a partir da constituição da própria Biblioteca, que remonta a 31 de maio de 1854, tendo sido aberta ao público em janeiro de 1855. O primeiro catálogo contendo o número de jornais catarinenses existentes no acervo foi lançado em 1932 e organizado pelo bibliotecário Fernando Machado Vieira.

Atualmente, a coleção de jornais é composta por 1.917 títulos editados de 92 cidades catarinenses e tem como recorte temporal títulos de 1831 aos dias atuais, assim distribuídos: século XIX (1831 a 1900) com 205 títulos; século XX (1901 a 2000) com 1.052 títulos; e século XXI (2001-2022) com 660 títulos.
O bibliotecário e coordenador técnico da Hemeroteca Digital Catarinense, Alzemi Machado, 58, revela que o perfil do público que procura o acervo dos jornais da Biblioteca Pública de Santa Catarina é bem heterogêneo, compondo-se de pessoas de diversas áreas, tais como historiadores, sociólogos, pedagogos, pesquisadores independentes sem vínculos com universidades ou agremiações, estudantes de graduação em fase de elaboração de trabalhos de conclusão de curso, estudantes com bolsas de iniciação científica, mestrandos e doutorandos.
Servidores públicos dos três entes também pesquisam com frequência os jornais oficiais no intuito de buscar portarias de nomeação objetivando comprovar tempo de serviço para fins de aposentadoria. Ademais, professores de primeiro e segundo graus levam os alunos para conhecer o setor do acervo dos jornais com foco na parte dos periódicos antigos e raros.
De acordo com o bibliotecário, os temas mais pesquisados no acervo estão sempre relacionados com Santa Catarina e geralmente reduzem o período temporal em anos ou décadas, assim como a localização geográfica em cidade ou região. Machado destaca que são muitos os temas objeto de análise, entre eles reformas educacionais, clubes de futebol, clubes de remo, política, personalidades como Fritz Müller, Guga Kuerten e muitos outros.
“Costumo afirmar que o jornal impresso retrata em suas páginas a sociedade em suas mais diversas práticas e representações. Com o jornal, é possível retroagir historicamente e contextualizar a vida social sob diversos prismas, como político, econômico, religioso, artístico e comportamental”, avalia Machado.
Além disso, segundo o bibliotecário, com a utilização de imagens no jornal impresso “pode-se verificar e confrontar as alterações no cotidiano de uma cidade, um bairro, uma comunidade, desde a arquitetura das construções, o meio ambiente, as transformações geográficas e paisagísticas, a identificação cultural, o que torna possível desenvolver e elaborar uma linha do tempo”.

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Para Machado, as coleções de jornais impressos “são entendidas como bens patrimoniais históricos, pois contribuem para a preservação da memória”. E complementa: “Para escrever a história das pessoas e dos grupos sociais constituídos nos mais diversos períodos históricos, principalmente a partir do século XIX, o jornal impresso é uma fonte fundamental e indispensável, pois oportuniza e possibilita compreender a trajetória dos diversos atores envolvidos em complexas tramas sociais e que necessitam de investigações mais aprofundadas”.
Nesse aspecto, a utilização do jornal impresso como registro tem dado grandes contribuições à produção historiográfica, constatadas nas inúmeras produções acadêmicas por meio de teses e dissertações não apenas no campo da história, mas também em diversas áreas do conhecimento, e que resultam em publicações livrescas.
Entre as obras catarinenses que tiveram como base a pesquisa nos jornais do acervo estão: Florianópolis: Memória Urbana, de Eliane Veiga; Desterro: Ilha de Santa Catarina, de Gilberto Gerlach; Ildefonso Juvenal da Silva: um memorialista negro no Sul do Brasil, de Fábio Garcia; Nossa Senhora de Desterro – Memória e Política, de Oswaldo Rodrigues Cabral; Antonieta de Barros, de Jeruse Romão; Trajano Margarida: poeta do povo, de Luana Teixeira e Lucésia Pereira; A Imprensa Catarinense no Século XIX, de Alzemi Machado e Iraci Borszcz; entre muitos outros.

A arquiteta e mestre em História Eliane Veras da Veiga, 62, afirma que o seu livro Florianópolis: Memória Urbana, de 2012, é o resultado de quatro anos de pesquisas. Para elaborá-lo, ela teve o acervo dos jornais do século XIX, disponíveis na Biblioteca Pública do Estado, como uma das principais fontes de consulta.
“Por meio dos jornais de 1850 a 1930, pude aprofundar mais os meus estudos sobre a arquitetura antiga da cidade, pois nessas publicações estão registradas muitas inaugurações de obras urbanas com uma rica descrição dos detalhes arquitetônicos”, pontua a pesquisadora.
Entre os materiais encontrados pela autora está uma nota no Jornal ‘A República’, de 1899, sobre a inauguração da primeira ala do Mercado Público. “As melhorias que iam ocorrendo na cidade eram registradas nos jornais da época, e hoje são uma das maiores fontes de pesquisa para arquitetos, urbanistas e historiadores”, avalia Veiga.
A autora conta que ainda há poucos exemplares dessa obra em livrarias, contudo ela pretende lançar a 4ª edição no próximo ano. A arquiteta reforça a importância do acervo dos jornais da Biblioteca Pública tanto para a memória de Santa Catarina como para o Brasil: “No século XIX existiam muitos jornais catarinenses que ajudavam na circulação de informações para todo o estado. Além disso, esses jornais impactavam diretamente o comportamento das pessoas, a economia e os movimentos políticos da época”, destaca.
Veiga também tem especialização em Arquivologia pela UFSC e afirma que o papel como e ainda é um dos de maior longevidade de conservação, e “por isso é importante conservar os jornais impressos como uma prova física da nossa história”, ressalta. Ao mesmo tempo, a pesquisadora destaca a importância da digitalização dos periódicos tanto para preservar o conteúdo como para possibilitar que mais pessoas tenham o a essas informações.
O segundo maior acervo digitalizado do Brasil 3e3d2j
Machado conta que já estão digitalizados e disponíveis para consulta no repositório digital 976 títulos de jornais do Estado editados em 52 cidades catarinenses.
O volume de páginas digitalizadas ultraa 750 mil, configurando-se como o maior repositório de jornais regionais de Santa Catarina e o segundo maior do Brasil. Cerca de 51% do acervo de jornais encontra-se digitalizado, e 95% dos títulos do século XIX já estão disponíveis para consulta online.
Entretanto, o bibliotecário pontua que nem todos os jornais que compõem o acervo podem ser digitalizados em decorrência da Lei nº 9.610/1998 (Lei dos Direitos do Autor), que não permite a reprodução de obras, o que inclui periódicos sem a autorização expressa do autor.
“Uma obra só entra em domínio público, ou seja, não necessita de autorização do autor ou do espólio familiar decorridos 70 anos do falecimento do titular/proprietário. Antes desse período, a reprodução e a veiculação só são permitidas com autorização expressa por parte do autor ou dos integrantes da família”, afirma.
Curiosidades sobre os jornais impressos mais antigos de Desterro 726c2d
Machado pontua que o jornal mais antigo do acervo da Biblioteca Pública é ‘O Catharinense’, editado em Desterro por Jerônimo Coelho e que circulou na cidade de 28 de julho de 1831 a 25 de janeiro de 1832, sendo impresso em seis páginas na tipografia instalada na Rua do Livramento, atual Rua Trajano, no formato 15,3×21,5cm.
Segundo Machado, ‘O Catharinense’ fazia oposição à Monarquia, tinha como lema “União e Liberdade, Independência ou Morte” e seu fundador e redator responsável foi o militar, político e jornalista Jerônimo Francisco Coelho.
“Esse jornal é considerado o precursor da imprensa em Santa Catarina, e a Biblioteca possui uma cópia microfilmada da edição número 1”, explica o coordenador.
Machado afirma que na sequência do jornal ‘O Catharinense’ surgiu ‘O Expositor’, que também circulou na cidade de Desterro. Em 8 de dezembro de 1832 ‘O Expositor’ foi impresso na tipografia da Sociedade Patriótica, entidade também responsável pela publicação, nas dimensões 31,5x31cm, contendo quatro páginas.
Sua circulação era quinzenal e, assim como o primeiro periódico, a Biblioteca também possui edição em microfilme.
O ‘Relator Catharinense’ foi um periódico lançado em 15 de outubro de 1845 com o propósito de relatar a visita do Imperador Dom Pedro II e da Imperatriz Teresa Cristina a Santa Catarina. “Este jornal foi editado na cidade de Desterro e circulou com dez edições, entretanto, com o retorno da família Imperial à Corte, findou a publicação”, revela Machado.
A Biblioteca Pública possui uma cópia desse periódico em fac-símile. O bibliotecário afirma que o jornal mais antigo em papel que a Biblioteca Pública possui no seu acervo é ‘O Conciliador Catharinense’, um jornal “industrial, político e literário” que circulou em Desterro a partir de 1849.
Tinha vinculação com os integrantes e apoiadores do Partido Liberal, também denominado de “Judeu ou Jeromista” (apoiadores do candidato Jerônimo Coelho, derrotado em 1847), em oposição ao partido denominado “Cristão ou Livramentista” (ligado ao candidato Joaquim A. do Livramento, integrante do Partido Conservador, vitorioso nas eleições de 1847).
Era impresso na Typografia Catharinense, de propriedade do francês Emilio Grain, e circulava somente às quartas-feiras e aos sábados, com quatro páginas, no formato 37x28cm e foi publicado até o ano de 1851.

A pesquisadora e o seu amor pelo arquivo dos jornais impressos
Há mais de 25 anos a bibliotecária Morgana Andrade de Barbieri, 59, pesquisa nos arquivos dos jornais da Biblioteca Pública de Santa Catarina informações para personalidades e instituições. Diferentes temas já foram pesquisados por Barbieri, como saúde, infraestrutura, educação, cultura, história, entre muitos outros.
A bibliotecária costuma ser contratada tanto por pessoas físicas como por instituições para realizar trabalhos de pesquisa minuciosos nos arquivos dos jornais impressos disponíveis no acervo da Biblioteca. Entre as pesquisas realizadas por ela estão as notícias sobre pessoas públicas para os arquivos pessoais, história sobre a AIDS em Santa Catarina, arquivos sobre as escolas da Grande Florianópolis, notícias sobre os maiores grupos econômicos do Estado, a trajetória de políticos catarinenses, a história da federação das Apaes, entre muitos outros.
Para Barbieri, o jornal impresso é um valioso registro histórico, “uma fonte importante e determinante no resgate da memória tanto na construção de arquivos pessoais e empresariais como na história do estado”. Segundo a pesquisadora, a consciência e a valorização da guarda de documentos que comprovam a trajetória e a história das pessoas e das organizações foram negligenciadas por muito tempo.
A bibliotecária explica que os jornais impressos auxiliam na construção da memória. “Hoje, por exemplo, recuperei o registro de um prêmio artístico recebido por Gelci José Coelho, o Peninha, na edição de 22 de março de 1972, no jornal ‘A Gazeta’”. Barbieri explica que embora Peninha seja mais conhecido pelo seu trabalho como historiador no Museu de Arqueologia e Etnografia da Universidade Federal de Santa Catarina associado à obra de Franklin Cascaes, poucos sabem que também possui um trabalho muito expressivo e belíssimo como desenhista. “Meu trabalho é resgatar esse lado tão precioso de sua história”, enfatiza.
A pesquisadora explica que a nota encontrada por ela no jornal ‘A Gazeta’ registrou os premiados de uma Mostra de Arte que ocorreu por ocasião do sesquicentenário da Independência do Brasil, realizada pelo governo do Estado de Santa Catarina. Os premiados da Mostra foram os artistas Sílvio Pléticos, Antonio Mir e Peninha.
“Os registros dessa Mostra de Arte foram encontrados somente nos jornais da época, disponíveis na Biblioteca Pública do Estado e somente íveis em e papel”, pontua a pesquisadora.
Atualmente, além do resgate sobre a ampla trajetória do Peninha, Barbieri finalizou neste ano uma importante pesquisa para o Museu do Homem do Sambaqui, no Colégio Catarinense. A pesquisadora coordenou o diagnóstico desse museu arqueológico também por meio do acervo de jornais da Biblioteca Pública do Estado sobre as notícias relacionadas às pesquisas do padre João Alfredo Rohr, jesuíta, professor, arqueólogo brasileiro e criador do Museu do Homem do Sambaqui. “Eu amo auxiliar as pessoas e as organizações a resgatarem as suas memórias e organizarem a trajetória delas”, declara a bibliotecária.
Outro exemplo da importância do jornal impresso como fonte de pesquisa é o trabalho de pesquisa de Barbieri para o acervo do Instituto Guga Kuerten. “Em 2019, quando me desliguei do Instituto, havia mais de 100 mil registros de notícias de jornal sobre o tenista brasileiro mais importante do cenário mundial. Grande parte da trajetória do Guga está registrada nos jornais de Santa Catarina e do mundo, ou seja, os periódicos são a maior fonte de registros históricos da sua fanática carreira como tenista”, destaca a pesquisadora.