A história de Florianópolis se conecta a militares, políticos, religiosos e intelectuais que, homenageados, dão nome às ruas da cidade. Mas, entre majores e generais, há vias com nomes de mulheres que carregam memórias de amizade, caridade e cuidado.

Uma delas é a rua Laudelina Maria da Cruz Lemos, que está localizada entre a rua Major Costa e a rua General Nestor os, no Centro.
A equipe do ND+ esbarrou com Eni da Silva, de 83 anos, em um início de tarde ensolarado. A senhora caminhava a os rápidos pela rua Laudelina Maria da Cruz Lemos, onde mora há mais de 75 anos. Ela diz que conheceu Laudelina, ou melhor, dona Doca.
“A dona Doca? Ah, conheci muito a dona Doca. Uma querida. Ela benzia e era muito gente boa”, conta Eni. Ela acrescenta que era “só uma garotinha” quando conheceu a benzedeira.
“Eu não tinha nem 10 anos. Dona Doca benzia os moradores, os vizinhos. Era muito querida por todos aqui da região.”, diz a senhora.
Laudelina, a dona Doca 7254w
A lei nº 1789/81 que deu nome à rua Laudelina Maria da Cruz Lemos, no Centro de Florianópolis, próximo à avenida Mauro Ramos, foi aprovada em maio de 1981 pela Câmara de Vereadores.
O projeto de lei é de autoria do vereador Arno Seara e a lei foi sancionada pelo prefeito Francisco de Assis Cordeiro.
A biografia presente no projeto de lei diz que Laudelina, mais conhecida por dona Doca, nasceu em Santo Antônio de Lisboa, no Norte da Ilha de Santa Catarina, no dia 3 de maio de 1886. Em 1902, ela se casou com Frutuoso da Costa Lemos.
Em 1935, quando Frutuoso já estava aposentado, o casal foi morar na chácara de Célio Veiga, no final da rua Major Costa e adjacências. O marido de Laudelina trabalhava cuidando da chácara. Posteriormente, ele ajudou no loteamento da região.
O casal acabou se tornando proprietário de uma faixa de terra da chácara. Dona Doca morou no local até a sua morte em 5 de setembro de 1970. Em 1981, o filho caçula do casal ainda morava na mesma residência dos pais.
Frutuoso da Costa Lemos morreu em 1944. A biografia que rendeu a homenagem à dona Doca a descreve como uma senhora “muito bem quista por todos os seus vizinhos ao longo dos 35 anos em que morou na propriedade do Centro da cidade”.
O texto acrescenta que “religiosa, [dona Doca] praticava a caridade ajudando a todos que batiam em sua porta”. Porém, o que fazia com que ela fosse muito procurada pelas pessoas da redondeza e até mesmo por pessoas de longe, eram suas orações que todos consideravam milagrosas.
“Benzia nenéns de ‘arca-caída’, ‘sapinho’, mal olhado’, adultos de ‘mau jeito’, ‘cobreiro’ e toda a espécie de dor. Para todos tinha palavras de consolo através das orações aos santos de sua devoção. Deve-se salientar que não praticava o misticismo e jamais aceitou algo em troca de suas orações”, afirma o texto.
Os benzimentos, segundo a biografia, limitavam-se a orações na frente da pessoa que queria ser benzida. Dona Doca também conhecia grande variedade de plantas medicinais e as cultivava em seu jardim. Era procurada por pessoas em busca de ervas para fazer chá.
Dona Doca gostava de ler e se interessava pelos acontecimentos da época. De acordo com a biografia, não dispensava a leitura de jornais e revistas. Além disso, procurava ouvir os noticiários das rádios.
“Por isso, suas conversas eram do agrado de todos. Sabia conversar com quem quer que fosse, não importando a idade”, finaliza a biografia.
Três vias, um só nome h1k
A configuração da rua Laudelina Maria da Cruz Lemos tem um detalhe curioso. A rua é formada por uma via mais extensa e outras duas servidões, todas batizadas de Laudelina Maria da Cruz Lemos.
Moisés Correia, de 36 anos, faz parte da terceira geração da família Correia a habitar a rua Laudelina. Ele mora com a mãe Neusa Costa Correia, de 79 anos, em uma casa no alto de uma encosta, no fim de uma das servidões. O porteiro diz que antigamente a rua se chamava Célio Veiga.
“Ouvi falar que era uma senhora que benzia e que morou por muito tempo na região. Quando faleceu resolveram homenageá-la colocando o nome dela na rua”, conta Moisés.
Por outro lado, Maria Ângela Montanari, de 64 anos, conta que nunca ouviu falar na mulher que dá nome à rua onde mora há 11 anos. Natural de Jaú, em São Paulo, a dona de casa diz que até então não havia pensado em tentar descobrir quem foi Laudelina.
“Agora fiquei curiosa! Acho importante que as ruas tenham nomes de pessoas que moraram na região. Acho legal homenageá-las dessa forma”, diz Maria Ângela.
Iracema Nunes da Silva, benemérita senhora u60q
A rua Iracema Nunes da Silva, no bairro Trindade, é paralela ao Titri (Terminal de Integração da Trindade). O nome foi oficialmente adotado no dia 23 de junho de 2009, por meio do projeto de lei nº 7885/2009, de autoria do então vereador João Amin e sancionada pelo prefeito Dário Berger.
A via pública parte da rua Professor Odilon Fernandes até atingir a rua Professor Milton Roque Ramos Krieger.
A justificativa do projeto de lei diz que Iracema Nunes da Silva foi uma “benemérita senhora, que tanto ajudou a comunidade carente da cidade de Florianópolis, prestando assistência aos carentes e necessitados.”
Além disso, “era católica fiel e fervorosa, sempre ajudando as principais paróquias de Florianópolis”.
Iracema Nunes da Silva era natural de Araranguá, no Sul do Estado. Morava no Edifício Paradiso, na avenida Jornalista Rubens de Arruda Ramos, no Centro de Florianópolis. Filha de Manoel Tibúrcio Nunes e Olíria Custódia Rodrigues.
Era casada com o advogado Walter Francisco da Silva. Deixou seis filhos: Walter, Solange, Sandra, Cristina, Alexandre e Paulo. A dona de casa morreu no dia 6 de setembro de 2007, no Hospital de Caridade, aos 81 anos.
Em outubro de 2008, um abaixo-assinado colheu s para que Iracema Nunes da Silva fosse homenageada como nome de rua da Capital catarinense. O abaixo-assinado foi elaborado pelo marido dela, Walter Francisco da Silva. O documento anexado ao projeto de lei traz 26 s.
“Era só mato” 69273v
Rosita Maria Alves, 81 anos, mora em uma casa na rua Professor Milton Roque Ramos Krieger. A dona de casa, nativa da região, recebeu a equipe do ND+ no portão da casa onde reside há 42 anos.
A residência é uma das poucas que restam nas redondezas, tomadas por prédios e comércios. Ela confessa desconhecer a história da mulher que dá nome à rua pela qual ela costuma ar quase todos os dias, em suas caminhadas.

No entanto, na memória, dona Rosita guarda as lembranças do que antes foi uma região pouco habitada.
“A gente se criou por aqui. Era só mato e não existia quase nada construído. Brincávamos nos terrenos e campos. A gente aproveitava os terrenos para estender roupa, fazer hortas. Na época não tinham donos ou construções. Não tinham avenidas, calçamentos, nem nada. Muitos anos depois construíram o Titri e foi ficando mais movimentado. A região foi crescendo com o tempo”, conta dona Rosita.
“Dama” da localidade do Pântano do Sul 2r6o24
Rozália Paulina Ferreira é uma extensa rodovia localizada na Armação do Pântano do Sul, no Sul da Ilha de Santa Catarina. É também conhecida como estrada da Costa de Dentro.
O nome Rozália Paulina Ferreira foi adotado oficialmente em outubro de 1989 através do projeto de lei nº 4.052/88 de autoria do vereador Içuriti Pereira da Silva e sancionada pelo então prefeito Esperidião Amin.
A mulher que dá nome à rodovia nasceu no dia 12 de janeiro de 1906, em Florianópolis, e morreu no dia 30 de março de 1986. Todos os seus 80 anos de vida foram vividos na localidade da Costa de Dentro, no então Distrito do Pântano do Sul. Foi mãe de quatro filhos.
Durante décadas, de acordo com a biografia que consta no projeto de lei, ela auxiliou, prestou serviços e ajudou vizinhos e a comunidade.
“Uma senhora de grande valor, ensinou, educou e orientou todos os membros da família, como também foi considerada senhora de caridade, reconhecida como uma verdadeira dama da localidade”, descreve a biografia.
Durante sua infância, juventude e “nos longos anos bem vividos em prol dos seus amigos e toda a comunidade”, o texto diz que Rozália nunca recusou atender ninguém. “Sempre prestativa, trabalhou muito para levar benfeitorias para a localidade da Costa de Dentro”.

Rodovia Rozália Paulina Ferreira 382k1r
Arlene Ildefonso, de 59 anos, mora na rodovia Rozália Paulina Ferreira há 40 anos, quando a via ainda não levava esse nome. Proprietário de casas para aluguel na região, ela conta que nasceu no Pântano do Sul. Quando casou foi morar com o marido, Pedro, na casa da sogra onde hoje fica a rodovia Rozália Paulina Ferreira.
“A rua ainda não tinha esse nome. O nome Rozália veio depois. Antes, a gente chamava de Costa de Cima”, relembra. “A região era pouco movimentada. Os moradores mais antigos já morreram. Dizem que a Rozália era moradora antiga da região. Já ouvi falar nesse nome quando era pequena e morava mais para a Costa de Dentro”, conta Arlene.
O pescador Rodrigo Martins, de 48 anos, mora na rodovia Rozália Paulina Ferreira há 25 anos. Ele diz não saber a história da mulher que dá nome à via, mas conta com orgulho que os filhos “se criaram” na localidade.
“Quando cheguei era estrada de chão. Tem uma cachoeira próxima que a por trás da rodovia. 90% da água fornecida para os moradores dessa rua e da Armação vem dessa encosta”, conta Rodrigo.
Taiene Rosa, de 25 anos, é natural de Praia Grande, no Sul do Estado. Há três anos mora em Florianópolis e há pouco mais de uma semana, mudou-se com o marido e a filha de dois anos para uma casa na rodovia Rozália Paulina Ferreira.
“Está sendo uma experiência maravilhosa. Desejávamos muito morar no interior, perto da área verde. Infelizmente, não faço ideia de quem foi a Rozália, mas imagino que os moradores mais antigos da região saibam. Tenho curiosidade de saber quem foi. Venho de uma família tradicional na minha cidade e entendo essa questão de homenagear alguém que foi importante para a localidade”, diz Taiene.
Requisitos para nomear ruas 2y1n4l
Datilografado, o projeto de lei nº 112, de maio de 1957, que está nos arquivos da Câmara de Vereadores de Florianópolis, já regulava a denominação dos logradouros da cidade.
Mais recente, a lei municipal número 5.273, de 1998, dispõe sobre a denominação de logradouros públicos de Florianópolis. Para nominar ou trocar o nome de uma via é preciso um abaixo assinado dos respectivos moradores e/ou ata de assembleia de associação de moradores ou conselho comunitário local. É preciso, também, apresentar croquis de localização.
Pessoas vivas não podem ser homenageadas com nomes de ruas. Deverão ser anexados ao projeto de lei, certidão de óbito da pessoa homenageada, exceto quando for de notório conhecimento público, bem como uma biografia.
Em caso de nome fantasia, os moradores devem apresentar argumentos que justifiquem a nominação. É proibido que duas ruas tenham o mesmo nome.