Neste sábado (7), a Lei Maria da Penha completa 15 anos desde sua criação. Sancionada em 7 de agosto de 2006, pelo ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei 11.340/2006 conta com mecanismos de prevenção e coibição de violências domésticas e familiares contra a mulher.

Apesar de sua funcionalidade ser reconhecida em todo o território brasileiro, em 2020, o de dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos divulgou que, naquele ano, foram registradas 105.671 denúncias de violência contra a mulher nos canais Ligue 180 (central de atendimento à mulher) e Disque 100 (direitos humanos).
Desses registros, 72% das denúncias (75.753 ao todo), referem-se às violências domésticas e familiares, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O restante das denúncias são referentes às violações dos direitos civis e políticos das mulheres.
Nesse âmbito, a Promotora de Justiça e Enfrentamento à Violência Doméstica, Fabiana Dal’Mas, ressalta que “a Lei Maria da Penha é fundamental no nosso país. O Brasil ainda é considerado o 5° país que mais mata mulheres no mundo. Isso com o advento da Lei. Se nós não tivéssemos a Lei, esses números seriam ainda mais assustadores”.
Nosso país fica atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia, segundo o ranking mundial de feminicídio divulgado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A criação da Lei Maria da Penha 58323l
A Lei foi criada a partir da luta da ativista Maria da Penha Maia Fernandes. Nascida no dia 1° de fevereiro de 1945, no Ceará, a ativista e farmacêutica buscou por justiça durante 19 anos, após sofrer repetidos episódios de violência doméstica. A mesma condição à qual milhares de mulheres ainda são submetidas diariamente em todo o Brasil.
A história começa em 1974, como conta a biografia de Maria no portal online “Instituto Maria da Penha”.
Ela estava cursando mestrado em Parasitologia em Análises Clínicas, na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, quando começou a namorar o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros. Em 1976, eles se casaram e, logo depois, tiveram três filhas.
Ao conseguir cidadania brasileira, Marco mudou seu comportamento. Após se estabilizar financeira e profissionalmente, ele ou a agir com intolerância contra a família, demonstrando comportamentos explosivos antes nunca presenciados pelas filhas e pela esposa.

As atitudes violentas ficaram mais frequentes, até que em 1983, Maria da Penha sofreu uma dupla tentativa de feminicídio praticadas pelo marido. A primeira vez que Marco tentou matá-la foi com um tiro em suas costas enquanto Maria dormia. Como resultado do atentado, além dos traumas psicológicos instituídos, ela ficou paraplégica.
Quatro meses depois, viria o segundo atentado. Quando retornou do hospital para casa, o marido a manteve em cárcere privado durante 15 dias, até que tentou eletrocutá-la durante o banho. A situação, que já era grave, apenas piorou. Com a ajuda de amigos e familiares, Maria conseguiu sair de casa apoiada judicialmente, para que a ação não configurasse “abandono de lar” e ela perdesse a guarda de suas filhas.
A ação judicial 4m3w1v
O julgamento de Marco por todos os crimes cometidos aconteceu somente em 1991, após muitas divergências. O agressor foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas saiu do Fórum em liberdade após argumentações de sua equipe de defesa jurídica.
Em 1996, outro julgamento foi marcado. Afinal, mesmo fragilizada, Maria da Penha não desistiu de sua justiça.
Naquele ano, seu ex-marido foi condenado a cumprir 10 anos e 6 meses de prisão. Entretanto, após supostas alegações de irregularidades por parte da defesa, a sentença novamente não foi cumprida.

Em 1998, o caso tomou proporções internacionais após denúncias feitas pelo Centro para a Justiça e o Direito Internacional, em conjunto com o Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, para a CIDH/OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos).
Apesar disso, o governo do Brasil não se manifestou durante todo o processo.
Em 2001, o Estado brasileiro foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres do país. Assim, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos exigiu que o Brasil tomasse certas medidas, entre elas encerrar o caso de Maria da Penha, tratando-o como uma violência contra a mulher em razão do seu gênero.
Surge a Lei Maria da Penha 56e5c
A falta de medida legais e ações que garantissem a proteção e os direitos humanos das vítimas de violências domésticas levou, em 2002, à criação de um Consórcio de ONGs Feministas. O consórcio tinha como objetivo elaborar uma lei que combateria a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Depois de muito debate, o Projeto de Lei n. 4.559/2004 da Câmara dos Deputados chegou ao Senado Federal (Projeto de Lei de Câmara n. 37/2006) e foi aprovado por unanimidade. Assim, no dia 7 de agosto de 2006, o presidente Lula sancionou a Lei N. 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha.
Nesse âmbito, a Promotora ressalta que “a Lei foi considerada uma das três melhores legislações do mundo”. Isso porque, segundo Fabiana, “nós temos as medidas protetivas de urgência, que salvam vidas. A Lei visa atingir todas as mulheres. Quando falamos em vítimas, não existe uma vítima, existem várias vítimas, com vários perfis, então toda a forma de análise da Lei Maria da Penha deve ser interseccional, olhando para as questões de raça, para as questões de gênero, para as questões de classe, e a Lei tem toda uma proteção, um arcabouço preventivo que permite que essa política seja desenvolvida”.
O auxílio de políticas públicas 366536
Fabiana Dal’Mas diz que a Lei é excelente, mas ainda há ressalvas.
“A minha crítica vai para as conduções das políticas públicas pelas mulheres nos últimos tempos em nosso país, porque, em primeiro lugar, nós não incluímos a participação política das mulheres em cargos de poder. Existem muito poucas mulheres nessas posições. Portanto, as políticas públicas voltadas para as mulheres são feitas pelos homens”.

Dessa forma, durante todo o processo de tomada de decisões judiciais que tenham mulheres como vítimas, a participação das mesmas como representantes dos órgãos públicos seria imprescindível. Mas essa representação só pode sair do papel se o governo investir em políticas públicas que auxiliem as mulheres durante o caminho.
“Todas essas campanhas [que já existem no auxílio às mulheres] são importantes, mas elas precisam de orçamento. Infelizmente a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres aplicou em seu orçamento um valor muito inferior ao que deveria ser destinado. Isso acaba prejudicando, porque o subfinanciamento faz com que esses aparelhos que poderiam ser postos em prática a favor das mulheres, fiquem deficitários”, ressalta Fabiana, que também é mestre em Direitos Humanos.
A Promotora deixa ainda uma última ressalva. “O ideal é que não precisássemos de uma Lei Maria da Penha, mas no momento, devido às desigualdades de gênero e às assimetrias de poderes, a Lei é fundamental. O mais importante é que se compreenda que a política para as mulheres não é um favor para as mesmas, e sim um dever do Estado brasileiro”.