Além dos 5 dias: entenda a importância da licença-paternidade estendida no Brasil 554l51

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Com objetivo de maior equidade entre homens e mulheres, empresas implementam licença-paternidade mais longa para seus funcionários

Cinco dias. Este é o tempo padrão estabelecido pela Constituição de 1988 para que o pai possa afastar-se do trabalho de forma remunerada para a assistência do filho recém-nascido. Do outro lado da história, mulheres possuem uma licença de 120 dias. Visando à correção desta diferença à construção de uma sociedade mais igualitária, empresas implementam a chamada licença-paternidade estendida.

Menos de um terço dos pais tiram a licença paternidade mínima, segundo pesquisa do Instituto Promundo – Foto: Pexels/Divulgação/NDMenos de um terço dos pais tiram a licença paternidade mínima, segundo pesquisa do Instituto Promundo – Foto: Pexels/Divulgação/ND

Antes da inclusão da licença paternidade na Constituição, era estabelecido que os pais podiam se ausentar durante um dia útil sem prejuízo do salário para que pudessem realizar o registro civil do filho ou filha.

O tempo, no entanto, pode ser estendido caso a empresa esteja cadastrada no programa Empresa Cidadã, que permite até 20 dias de afastamento da profissão.

Instituído em 2008, o programa buscava estender as licenças de maternidade e paternidade a empresas.

Dados da Coordenação Nacional de Saúde do Homem dos estados com mais empresa no programa Empresa Cidadã – Gráfico: Yuri Micheletti/NDDados da Coordenação Nacional de Saúde do Homem dos estados com mais empresa no programa Empresa Cidadã – Gráfico: Yuri Micheletti/ND

Segundo dados de 2017 levantados pela Coordenação Nacional de Saúde do Homem, vinculada ao Ministério da Saúde, apenas 12% das 160 mil empresas elegíveis aderiram ao programa. Destas, 6.693 eram de São Paulo, o estado com maior adesão, seguido de Rio de Janeiro (2.140) e Minas Gerais (1.692). Já Santa Catarina aparece como o sexto estado em adesão, com 717 empresas.

“Em função do longo período de dependência que a criança tem em relação ao adulto, duas semanas é algo bem incipiente”, afirma o professor Dr. Mauro Luís Vieira, psicólogo e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Desenvolvimento Infantil da UFSC (Universidade de Santa Catarina).

O psicólogo cita que há modelos de licença paternidade de alguns países nórdicos que seriam interessantes para basear as políticas brasileiras. Neles, a licença de pai e mãe são integradas, de forma que ambos possam adaptar suas rotinas aos cuidados da criança, respeitando a lógica da casa.

É o que acontece na Noruega, onde os pais são 100% remunerados por 49 semanas de licença ou 80% por 59 semanas. O tempo de licença pode ser dividido entre os dois livremente. No entanto, é estabelecido que tanto o pai quanto a mãe devem usufruir de, no mínimo três, meses da licença.

Noruega é um dos países com a mais longa licença-paternidade – Foto: Reprodução/YouTube/NDNoruega é um dos países com a mais longa licença-paternidade – Foto: Reprodução/YouTube/ND

Mesmo o Brasil fornecendo no máximo 20 dias de licença-paternidade, algumas empresas optam por fornecer licenças estendidas e mais próximas ao que é visto em países como a Noruega.

Este é o caso do Grupo Boticário, que foi uma das primeiras empresas do país a implementar uma licença-paternidade estendida. São 180 dias para as mães ou pessoas que gestam e 120 dias obrigatórios para pais não gestantes.

Segundo a empresa, nos seis primeiros meses da implantação do benefício – que começou no início do segundo semestre de 2021 – foram concedidas mais de 500 licenças parentais, o que abarca homens (cis e trans), casais homoafetivos e pais de filhos não consanguíneos.

Graziella D’Enfeldt, vice-presidente do setor de Gente do Grupo Boticário, comenta que as ações da empresa buscam garantir a inclusão e a transformação da sociedade. “É este olhar atento e acolhedor que nos move a promover iniciativas que valorizem todos os tipos de família e que incentivem o compartilhamento das responsabilidades dentro do lar, em todos os lugares do mundo”, diz.

Em dados divulgados pela própria empresa sobre a adesão à política, quase 25% dos beneficiados foram pais, com 105 funcionários tirando a licença em 2021 e 81 neste ano.

Outro exemplo de empresa que implantou o benefício foi a importadora Diageo, que permite qualquer funcionário da empresa a se ausentar por até seis meses para cuida de seu bebê.

Após três anos da política, foi registrado na empresa uma aderência de 95% dos funcionários que tiveram filhos, com 78% dos funcionários tirando a licença completa de seis meses. Além disso, foi notada uma redução do desligamento de mulheres e um aumento de satisfação com a diversidade da empresa.

“Em 2020, fiquei seis meses cobrindo a licença paternidade do gerente regional da minha área. Quando eu e minha parceira engravidamos em 2021 e eu já estava perto de sair para a minha licença paternidade, esse gerente foi promovido. Como eu já o tinha substituído, me chamaram para o processo seletivo para concorrer à vaga. Consegui a promoção antes mesmo de iniciar minha licença”, relata Hector Aguiar, de 34 anos, que hoje é gerente comercial regional da Diageo.

Para Hector não houve nenhuma intimidação no processo seletivo por parte da empresa, mesmo ele estando prestes a ficar ausente. “Quando voltei, assumi a nova posição sem nenhum tipo de problema”, completa.

Mesmo com esses exemplos, a política ainda é raridade no Brasil. Segundo um levantamento do site de empregos Catho, 7,5% da vagas do 1º semestre de 2021 tinham o benefício.

Ressignificando a paternidade 5s4l5a

Em outros casos, nem a política mínima de licença-paternidade é usufruída. O relatório “Situação da Paternidade no Brasil” realizado pelo Instituto Promundo em 2019, mostra que 68% dos pais não tiraram sequer a licença de cinco dias prevista em lei.

O dado apresentado se relaciona com o que é dito por Vieira, que, além de psicólogo, também é autor do livro “Pai Real, Pai Ideal: o papel paterno no desenvolvimento infantil“, que investiga o papel do pai na criação e educação dos filhos. Para ele, é de grande necessidade que os pais se envolvam mais com seus filhos e filhas e procurem de alguma forma estar presente em todas as atividades que envolvam os cuidados das crianças, como trocar fralda, cuidar da casa e auxiliar a mãe na amamentação do bebê durante o período inicial do desenvolvimento.

“Quanto mais cedo ocorrer a vinculação do pai em relação à filha ou filho melhor. O amor materno ou paterno não é algo que surge a partir do nascimento da criança. É algo que é construído ao longo da relação que se estabelece com a criança”, afirma o psicólogo.

“Devemos mudar a concepção do que é ser pai”, afirma Dr. Mauro Luís Vieira – Foto: Pexels/Divulgação/ND“Devemos mudar a concepção do que é ser pai”, afirma Dr. Mauro Luís Vieira – Foto: Pexels/Divulgação/ND

Nesse sentido, a presença do pai auxilia na formação da personalidade da criança na medida em que se dá seu desenvolvimento nos meses iniciais de vida e onde absorve as primeiras experiências, que ficarão gravadas na memória.

No entanto, Vieira reforça que não adianta haver a presença do pai se ela não é de qualidade. Assim, ele afirma que o pai que propicia um ambiente acolhedor, seguro e amigável à criança vai fazer toda a diferença em sua vida. Já o que não propicia esse tipo de ambiente poderá causar transtornos na vida da criança.

Por fim, o psicólogo torce que o Dia dos Pais possa servir como um momento para que se reflita em como estão agindo com seus filhos e filhas e pensar no que pode ser melhorado. “Essa situação vai ser benéfica não só para a criança, mas também para o pai, que pode ampliar o sentido de vida”.