Caso Biles acende alerta sobre saúde mental e rendimento de atletas 16121r

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Desistência de atletas por motivos de bem-estar mental traz à tona a necessidade dos cuidados e acompanhamento de profissionais

A ginasta Simone Biles, detentora de quatro medalhas de ouro em Olimpíadas, chamou atenção nos jogos de Tóquio após abandonar as finais por equipe, individual geral, salto, barras assimétricas, solo e anunciar que o cuidado com a saúde mental seria o motivo.

Simone Biles usa fita no cabelo e casaco branco Desistência de Simone Biles é mais um sinal da necessidade de atenção com a saúde mental dos atletas – Foto: Loic Venance/AFP/ND

A Federação Americana de Ginástica (USA Gymnastics, na sigla em inglês), confirmou nesta segunda-feira (2), que Simone Biles participa da final da trave da ginástica artística, disputada às 5h50 desta terça-feira (3).

No entanto, mesmo com diversos capítulos semelhantes e o assunto sendo abordado com maior frequência por conta da pandemia, especialistas citam que o tema ainda é considerado um tabu.

“Creio que avançamos muito no debate nos últimos anos, mas ainda existe preconceito. Ainda ouvimos que quem procura psicólogo é quem tem problemas, mas todos temos. Porém, procura ajuda quem quer resolver”, explica o psicólogo e psicanalista Francisco Nogueira.

Assim como Biles, outra atleta que trouxe o foco para a importância da saúde mental foi a tenista Naomi Osaka, vencedora de quatro títulos de Grand Slam.

Naomi Osaka com roupa azul e batendo na bola com raqueteNaomi Osaka abriu mão de participar do Rolang Garros como forma de chamar atenção para a importância do bem-estar mental – Foto: Ben Solomon/Tennis Australia/Fotos Públicas/ND

Durante o Roland Garros de maio, ela afirmou que não participaria das entrevistas para aumentar a conscientização sobre a importância do bem-estar mental dos atletas.

Assim como acontece com esportistas de renome, a cobrança e o estresse por resultados vem desde a base para a formação dos atletas. É o que destaca o presidente da Associação Corville de Atletismo, de ville, Flavio Pscheidt, destaca que a pressão também vem de casa.

“Existem crianças que ganham o bolsa atleta e não ficam com o benefício porque os pais precisam para ajudar nos gastos. Eu mesmo vivenciei uma situação de uma atleta nesta situação e que se sentia pressionada para ganhar um pouquinho mais e ajudar em casa. É uma diferença da base para a parte de cima. Aqui levamos o nome de uma cidade e a Simone (Biles) leva o nome do país, da modalidade e dos patrocinadores”, explica  Flavio Pscheidt.

Realidade em SC 2m6n19

Em Santa Catarina, entre as atletas responsáveis por levar o nome de ville nas competições, está Lays Cristina, de 16 anos. Ela atingiu o índice para o mundial sub-20, acima da categoria para a sua idade, mas não foi convocada por causa do limite de duas atletas por país.

“Infelizmente, eu não tenho acompanhamento com profissionais da área, mas isso é uma coisa muito importante para qualquer atleta. Não é todo dia que você está bem e treina bem. Treinar a mente é muito importante para conquistar bons resultados e eu digo que descanso também é treino, muitos só querem o treino, mas esquecem de tirar um tempo para a mente e o corpo descansarem”, explica Lays Cristina. 

Lays Cristina sorri e usa casaco verde com o símbolo do BrasilLays Cristina participou do Sul-Americano sub-20 de atletismo – Foto: Acervo Pessoal/Lays Cristina/ND

Lays Cristina afirma que nunca pensou em desistir por conta de cansaço ou carga psicológica, mas relembra que ficou muito abalada após terminar o Sul-Americano sub-20 de Atletismo na 4ª colocação, já que a esperança e confiança apontavam para uma possível conquista de medalha. 

“Apesar de me sair muito bem, bati meu joelho na segunda barreira e não consegui me recuperar, mas acontece. Eu fiquei muito triste, diversas coisas vieram à mente, mas me recuperei e isso se tornou coisa do ado”, completa. 

Além de auxiliar com a experiência que resultou na conquista de mais de 20 medalhas no JASC (Jogos Abertos de Santa Catarina), Flavio Pscheidt é um dos responsáveis por aconselhar Lays Cristina e outros jovens em momentos semelhantes.

Ele acredita que o acompanhamento do profissional para abordar esses temas é fundamental para a formação dos atletas. Mas, destaca um fator de grande importância que, infelizmente, é uma das maiores barreiras na formação de uma grande porcentagem de atletas em todo o Brasil, independente da modalidade: a falta de apoio, principalmente financeiro.

“Já são poucos os profissionais de psicologia para o esporte porque as estruturas esportivas carecem desse e. (…) Em breve, vamos para um campeonato com chance de colocar quatro ou cinco atletas em competições internacionais e não temos esse apoio. Agora, cada um arca com suas despesas. Nós, como professores, não temos como arcar com os gastos de um (atleta) porque teria que fazer isso por todos e não recebemos o suficiente para isso, também temos família para criar”, completa o Flavio Pscheidt

Preparo para as Olimpíadas 611p2p

Os Jogos Olímpicos são realizados de quatro em quatro anos. Neste meio tempo, atletas e equipes preparam uma programação de treinos para chegar no mais alto nível de desempenho. 

Alan dos Santos no momento de largada na pista de atletismoAlison dos Santos é um dos representantes do Brasil nos 400 metros com barreira em Tóquio – Foto: Júlio César Guimarães/ COB

A “rota” precisou ser recalculada por conta da pandemia da Covid-19 que, além de matar mais de 4 milhões de pessoas em todo o mundo, adiou os jogos de 2020.

Enquanto isso, os atletas precisaram ultraar o seu limite para chegar em Tóquio em alto rendimento. No entanto, o psicólogo Francisco Nogueira alerta para a necessidade de entender a hora do “intervalo”.

“Existe uma dificuldade muito grande de reconhecermos que estamos no limite. O ser humano tem uma capacidade impressionante de ar situações de dificuldade. Porém, às vezes, apenas uma pausa por uma hora da semana para cuidar das questões e falar sobre elas já tem um resultado muito grande”, destaca. 

Ainda de acordo com Francisco Nogueira, os principais sintomas do cansaço extremo são dificuldade de concentração, lapsos de memória, dificuldade para dormir, mudanças de humor e taquicardia. “Sinais que é o momento de parar. Além disso, nosso rendimento pode cair, ficando horas na função do trabalho e treinos e a produção se mantendo abaixo do esperado”, completa o psiquiatra.